Companhia Paranaense de Colonização Espéria:
italianos da gema na fronteira oeste.
Parte final
No Oeste do Paraná a falta de vias de comunicação
adequadas com o citado projeto colonizador somada com a falta de uma mínima
infraestrutura indispensável ao recebimento de colonos teve o seu preço. Um fracasso total! Tanto que em 1921 somente tinham sido atraídas 18 famílias de
colonos do interior paulista.
Não deu para aguentar tamanho déficit financeiro e
os sócios em comum acordo decidiram abrir falência naquele mesmo ano. De acordo
com EMER (1991), a massa falida foi vendida com a aquiescência do governo
Estadual para a empresa Allegretti & Cia Ltda., com sede em Bento Gonçalves
(RS). A Allegretti adquiriu 15.700 hectares em que já haviam sido demarcadas
628 colônias, tendo em vista vender estas colônias remanescentes aos colonos de
origem italiana das regiões de Bento Gonçalves, Veranópolis, Cachoeira e Marau.
O governo paranaense estabeleceu o ano de 1936
como prazo final para a Allegretti colonizar estas terras. No entanto, as
dificuldades de atração de colonos para esta região persistiram. A presença
entre os anos de 1924 e 1925, dos revoltosos da Coluna Prestes, entre outras
dificuldades na região, não efetivam a colonização permanente. Um novo prazo de
seis anos para efetuar a colonização foi renegociado entre a colonizadora e o
governo Estadual, e, mesmo assim não conseguiu atrair colonos com algum capital
para adquirir as referidas terras. Desse modo, em função às dificuldades de
colonização, o governo do Estado retomou os domínios das terras remanescentes (EMER,
1991, p. 70).
A área disponível era imensa. Tanto o era que uma outra
parte foi vendida para André Zílio e para a Industrial, Agrícola e Pastoril do
Oeste de São Paulo, por 200$000 o hectare. Nesta transação imobiliária em pouco
mais de cinco anos conseguiu extraordinário lucro de 5.555%. O concessionário
anterior havia adquirido por 4$500 o hectare e a revenda da mesma terra ocorreu
por 250$000, o hectare (WACHOWICZ, 1987, p. 160).
A movimentação e a especulação fundiárias
continuaram e não demorou muito para que a Companhia Espéria entrasse em cena.
No ano de 1926 a Industrial Agrícola e Pastoril Oeste de São Paulo revendeu
para a essa empresa 130 mil hectares.
A Companhia Paranaense de Colonização Espéria foi
constituída no ano de 1926, tendo com sede a cidade de São Paulo, sito à Rua
Quinze de Novembro, 27. Seus principais acionistas naquela época eram Arturo
Apollinari, Mário Silvio Polacco, Ezio Martinelli, Raul Machado e Domenico di
Mattina, dentre outros. Anos mais tarde, como a Espéria não encontrou fôlego
para saldar suas dívidas teve que entregar seu patrimônio a duas instituições
financeiras. Em 1936 seus principais acionistas eram o Instituto Nazionali di
Credito per Il Lavoro Italiano all’ Estero S.A., com sede na cidade de Roma e o
Banco Francês e Italiano para a América do Sul, sediado em São Paulo.
Até
então, sob sua tutela dezenas de famílias de imigrantes italianos vieram para o
Oeste paranaense, cuja sede era o Porto Sol de Maio, inaugurado em 1928.
No Paraná o contrato da Espéria com o governo estadual
deveria prolongar-se inicialmente até 1929, quando deveriam estar firmadas as
bases de seu projeto colonizador. Nesse período, como quase nada tivesse sido
feito pela empresa ela solicitou e conseguiu uma prorrogação de prazo até 1937.
Nesse meio tempo veio a Revolução de 1930 e a Espéria
perdeu seu direito de concessão.
Em função do Decreto nº 1.678, de 7 de julho de
1934, o governo paranaense considerou anulada a concessão de terras e, em 1942,
em plena Segunda Guerra Mundial, o governo de Getúlio Vargas promulgou o
Decreto nº 4.166, incorporando todos os bens da colonizadora, com o argumento
de que esta empresa pertencia ao Instituto Nacionale di Credito per Lavoro
Italiano All`Estero, ligado à capitais de origem italiana. Com o término do
conflito da Segunda Guerra, e, decorrido alguns anos, os bens dos súditos do
eixo foram devolvidos, e esta colonizadora continuou com as vendas das colônias
restantes, uma vez que ao final da década de 1940, a frente pioneira gaúcha se
aproximava dessa região (WACHOWICZ, 1987, p. 161).
Como os trâmites fossem demorados ela conseguiu manter-se
na região ainda por mais alguns anos. Recorreu da decisão paranaense junto ao
governo federal e enquanto se aguardava a decisão judicial ficou de posse de
todos os seus bens.
Até 1937, quando se instalou como ditador no chamado
Estado Novo, Getúlio contemporizou com as elites políticas paranaenses. Receava
magoá-las, precisava ainda de seu apoio. Naquele ano, todavia, viu-se
suficientemente forte para fazer inserir o artigo 165 na Constituição Federal,
o qual criava uma faixa de fronteira de 150 quilômetros de largura. Nessa faixa
os Governos Estaduais ficavam proibidos de fazer quaisquer investimentos ou
projetos colonizadores sem prévia autorização do Governo Federal. É claro que o
Oeste paranaense ficava dentro do perímetro da faixa de fronteira recém-criada.
Nos anos que se seguiram o Paraná interrompeu por completo seus projetos
colonizadores enquanto no Rio de Janeiro se preparava a legislação ordinária
que definiria o povoamento da faixa de fronteira. Dentre outros dispositivos
legais, criou-se oficialmente o Território Federal do Iguaçu, em 13 de setembro
de 1943. A capital seria Foz do Iguaçu e mais tarde Laranjeiras do Sul. O
Território Federal do Iguaçu permaneceria em vigência até que foi extinto por
uma emenda inserida na Constituição de 1946. É bom lembrarmos que Getúlio Vargas foi afastado do poder em
1945, quando foi derrotado nas eleições presidenciais por Eurico Gaspar Dutra.
No plano político até a entrada
do Brasil na segunda Guerra Mundial, ao lado dos aliados, em 1942, o fato é que
Getúlio nutria simpatias ao Eixo. Vivia-se o Estado Novo (1937-1945), nascido
com a descoberta do “Plano Cohen” e o desbarate da pseudo Intentona Comunista.
E, sabe como é, ditador e ditaduras veem-se como cúmplices não importa a
distância. Com a marcha da guerra pendendo para os aliados Getúlio resolveu
mudar de lado, sendo ajudado em sua decisão pelo afundamento de navios
brasileiros por submarinos alemães. O simpatizante virou inimigo declarado – e
essa mudança de conveniências não deixou de ter repercussões aqui no Oeste do
Paraná.
Em guerra contra o Eixo o governo Vargas baixou
uma lei determinando que todos os imigrantes de origem italiana, japonesa e
alemã que não falassem a língua portuguesa fossem retirados a uma distância de
100 quilômetros da fronteira. Essa lei também
determinou que imigrantes fossem retirados da faixa litorânea e ficassem pelo
menos 100 quilômetros de distância do mar, por medida de segurança nacional.
Somente em 1955 a faixa de fronteira seria estendida para 150 quilômetros.
Vale dizer que a existência
constitucional da área de fronteira remonta a 1850, quando a Lei Imperial n.
601, a “Lei de Terras”, surgiu com o objetivo de regularizar a situação das
terras públicas, evitar abusos no apossamento e legitimar as ocupações,
definindo as terras devolutas e proibindo a sua aquisição por outro título que
não seja o de compra, estipulando uma exceção na faixa de fronteira, onde
seriam concedidas gratuitamente para uma colonização mais rápida. Aparece aí,
pela primeira vez, uma referência à faixa de fronteira que foi delimitada em 10
léguas (66 quilômetros).
Mais ainda. O Decreto n. 1.318, de 30
de janeiro de 1854, ao regulamentar a referida lei, determinou em seu artigo 82
que “Dentro da zona de dez léguas contíguas aos limites do império com países estrangeiros,
e em terras devolutas, que o governo pretende povoar, estabelecer-se-hão
Colônias Militares”.
Resumindo: de 1850 a 1934, a
"faixa de fronteira" era de 10 léguas ou 66 quilômetros (Le Imperial
n. 601 de 1850), e as "terras devolutas", situadas nessa extensão eram
da União; de 1934 a 1937, a "faixa de fronteira" passou a ser de 100
quilômetros (Constituição de 1934), e as "terras devolutas", na faixa
de 66 quilômetros continuaram a pertencer à União, e as localizadas na faixa de
66 a 100quilômetros pertenciam aos Estados; de 1937 até hoje, a "faixa de
fronteira" foi ampliada para 150 quilômetros (Constituição de 1937,
mantida pela Constituição de 1988), sendo que as"terras devolutas"
situadas na faixa de 66 quilômetros (no período de 1934 a 1946 pertenciam à
União, e as localizadas entre 66 e 150 quilômetros pertenciam aos Estados), e
as localizadas em toda essa faixa de 150 quilômetros, desde 1946 até hoje,
pertencem à União.
Voltemos a meados do século XX, ao Oeste paranaense. As
medidas visando a retirada de colonos estrangeiros da faixa de fronteira
atingiram em cheio os italianos que haviam se fixado no projeto colonizador da
Companhia Espéria, localizado no território de Santa Helena. E como não poderia
deixar de ser a família Cinecatti sofreria na pele o que de ruim estava por
vir.
Mas não parou por aí. Getúlio foi mais longe. Ordenou
ainda que fossem criadas “áreas de concentração” [1]
onde deveriam permanecer essas populações “perigosas”. O medo era de que esses colonos
imigrantes fossem “quinta colunas”, colaboradores ou simpatizantes do Eixo.
Para o governo possíveis atos de sabotagem, dentre outras ações, tinham que ser
evitados a todo custo. Quem não falasse o português tinha que sair da região e
muitas famílias, italianas principalmente, tiveram que sair à força.
Eles mandaram desocupar aqui [Santa Helena], os
estrangeiros, os italianos puros né, porque estavam na fronteira e tinham medo
de uma revolta na fronteira. Achavam que os nossos pais iam de repente se
revoltar contra os brasileiros. Então pegaram tudo que era italiano legítimo,
levaram tudo embora.
Teve muita gente que apanhou que nem boi na
roça porque chegaram aqui três, quatro polícia brasileira e mandaram os nossos
pais falar em brasileiro e eles não sabiam. Então diziam os policiais: -“fala
em brasileiro!” – Mas eu não sei! Tapa na cara! Deram prazo de 24 horas pra falar
em brasileiro (GALLO, Armando, depoimento, 1987).
A responsabilidade por tais arbitrariedades pode ser
atribuída aos militares aquartelados na Companhia Independente de Fronteira,
criada em 1932 em Foz do Iguaçu. Em 1943, após da entrada do Brasil na guerra, o
número de soldados aumentou consideravelmente e a companhia foi transformada no
Primeiro Batalhão de Fronteira.
Para policiar toda a região foram montados pequenos destacamentos
militares que subiam o Paranazão, parando de porto em porto. Agindo muitas
vezes com violência desmedida e absolutamente desnecessária esses destacamentos
criaram um clima de medo e insegurança entre os supostos “súditos do eixo” que
residiam na região marginal ao grande rio.
E se a coisa estava feia, ficou pior. Não demorou muito
para que os colonos imigrantes fossem informados que teriam que abandonar suas
terras. Assim, de chofre! Seriam transferidos para Foz do Iguaçu e não tinha
conversa! Dali para onde ninguém informava.
Em Santa Helena a família Cinecatti foi surpreendida com a
chegada soldados do exército. Não vieram somente em sua propriedade, batiam de
porta em porta, ninguém era deixado de lado.
A ordem era uma só: juntar todos os colonos “italianos” e
concentrá-los no porto Sol de Maio. Dali deveriam aguardar o próximo vapor com
destino a Foz do Iguaçu. Muitos se rebelaram, alegando que não tinham condições
de embarcar tão somente com as roupas do corpo. Precisavam de mais tempo para
arrumar suas coisas, saldar suas dívidas, vender suas criações e os produtos
excedentes de suas lavouras. O exército consentiu em dar-lhes um pequeno prazo
de dez dias, mas manteve-os sob vigilância.
Aquilo que puderam levar levaram; aquilo que
puderam vender venderam; aquilo que puderam pagar pagaram; inclusive muitos não
puderam terminar de pagar as terras para a Companhia Espéria (THOMÉ,
Izalino, depoimento, 1986).
Assim, cumprindo determinação do Ministério da Guerra, os
colonos imigrantes que não dominavam a língua portuguesa foram reunidos na
cidade de Foz do Iguaçu para depois seguirem viagem para os locais onde
deveriam permanecer enquanto durassem as hostilidades na Europa.
Francesco ficou assustado com o que acontecia. Era homem
feito, já acostumado com as duras lidas da roça. Perdera a mãe, vítima de
malária, há quatro anos e o pai havia se casado
novamente.
Impotente, ficava a observar seu pai correr de um lado
para outro, perdido, sem saber o que fazer. A terra ainda não estava paga.
Tinham milho plantado, mas ainda não estava no ponto de ser colhido. E o que
dizer das poucas galinhas, alguns porcos, duas vacas leiteiras e até cachorro,
o que iriam fazer? Tinham que vender, mas vender para quem? Só em Foz ou Guaíra
poderiam achar algum comprador, mas a viagem era longa e curto era o tempo que
tinham antes de irem embora. A solução foi entregar tudo aos cuidados de um
amigo da família, brasileiro. E foi o que fizeram.
Desnecessário dizer
que entre toda aquela gente reinava tremenda insatisfação, misturada com
receios variados do que viria pela frente. Muitas eram as dúvidas. Para onde
iriam? Como ficariam suas propriedades e todos os seus bens que ficaram para
trás, em Santa Helena e região. Anos de trabalho duro, dificuldades diárias e
de isolamento seriam simplesmente descartados? Quem os defenderia? Eram
perguntas que naquele momento não tinham resposta. No mínimo teriam que esperar
a guerra acabar e ela parecia que ainda iria demorar muito tempo, mesmo porque
em 1942 o Eixo ainda se encontrava militarmente em vantagem em todas as frentes
de batalha.
As autoridades getulistas não haviam perdido tempo e as
áreas de concentração haviam sido previamente escolhidas pelo governo e estavam
localizadas nos territórios dos atuais municípios de Pitanga e Manoel Ribas, na
região central do Paraná, logicamente distantes mais de 100 quilômetros da faixa
de fronteira.
[...]
levaram 30 dias e 30 noites de Foz do Iguaçu a Pitanga [...] eles foram de
carroça de boi, comendo apepu e pinhão, dormiam debaixo da carroça (GALLO,
entrevista gravada, 1987).
A
saída forçada dos colonos italianos de Santa Helena teve sérias consequências
para a Companhia Espéria. Praticamente tudo que existia em seu projeto
colonizador foi abandonado, entregue à própria sorte. O porto Sol de Maio virou
um lugar fantasma. Suas instalações, entregues aos sabores do tempo, foram se
deteriorando com o passar dos meses. Pela colônia adentro o mesmo acontecia com
as casas dos colonos, suas lavouras e equipamentos.
Então, isso
ficou tudo abandonado, aquelas lavouras, casas. Todo mundo era contrário com o
que aconteceu, mas ninguém se manifestava porque estavam numa situação tão
ruim, tão delicada, que ninguém podia se manifestar (THOMÉ, entrevista gravada,
1987).
Imperava a lei do silêncio. Os meses foram passando e
nenhuma notícia sobre os colonos italianos que foram para Pitanga ou Manoel
Ribas chegava na região. Em Foz do Iguaçu, no Batalhão de Fronteira, pouco se
falava a respeito. O exército informava tão somente que eles estavam todos
juntos e estavam sendo muito bem tratados. Diziam ainda que tão logo terminasse
a guerra eles retornariam.
O que ficou bem claro é que a retirada dos colonos da área
de fronteira foi seguida de outras medidas levadas a efeito também contra os
descendentes de italianos que se encontravam estabelecidos no Oeste paranaense.
Pessoas que mesmo falando fluentemente o português, cujos pais haviam emigrado
para o Brasil desde o final do século XIX não tiveram vida fácil naqueles anos
de guerra mundial.
Eram tidos como suspeitos e recebiam vigilância constante
das autoridades policiais. Não podiam comunicar-se tão somente em português e,
é claro, não podiam receber visitas de amigos ou familiares que foram
transferidos da área de fronteira. Além disso, quanto tivessem a necessidade de
se ausentar de seus locais de moradia tinham necessariamente que comunicar o
fato ao destacamento sediado em Santa Helena, sob pena de serem presos.
Os
policiais espionavam, perseguiam, porque dentro de casa a linguagem era
estrangeira [...] foram muito perseguidos por causa disso (GALLO, entrevista
gravada, 1987).
Mesmo os cultos religiosos tinham que
ser celebrados em português e nos bailes ou outras manifestações festivas
familiares ou da comunidade não era permitido tocar ou cantar músicas
italianas. O cerco era completo.
A vigilância aos que ficaram ganhava
reforço com a participação de delatores, residentes na região. Gente que não
tinha escrúpulos em entregar seus próprios vizinhos. Assim agiam motivados
pelos mais variados interesses, desde um pseudo-nacionalismo, vingança ou algum
interesse pecuniário qualquer.
A ideia central era refrear todo tipo
de manifestação cultural que não fosse genuinamente nacional. As tentativas de
nacionalização da fronteira ocidental pretendida e colocadas em prática desde a
revolução de1930 e a “Marcha para o Oeste” atingiram, com a entrada do Brasil
na Segunda Guerra Mundial, o seu ponto culminante (COLODEL, 1988, p.213). O
tema sempre batido da segurança nacional era agora caso de polícia.
Foram anos difíceis aqueles.
A Companhia Espéria estava com a sua
concessão revogada desde 1934. Havia entrado na justiça e o processo ainda não
havia sido julgado, mas chances de sair vitoriosa nesse embate jurídico eram remotas.
Em agosto de 1942 veio a declaração de guerra contra o Eixo e os colonos italianos
que haviam se fixado em suas terras foram obrigados a deixar a região. As
dívidas por eles contraídas com a compra de terras não estavam sendo quitadas e
provavelmente nunca o seriam. Os lucros com os armazéns em Porto Sol de Maio e
Santa Helena caíram lá embaixo pela falta de clientela. A fiscalização
alfandegária havia se tornado muito mais rigorosa e as remessas contrabandeadas
de madeira e erva-mate via rio Paraná cessaram em quase sua totalidade.
Finalmente, como golpe de misericórdia, aconteceu que para saldar suas dívidas
a companhia havia vendido seu patrimônio e milhares de ações foram emitidas a
preço ilusório. Quase certo que a Espéria nunca mais se ergueria.
Após seis anos de conflito encerrou
em 1945 aquela que foi a maior guerra da história da humanidade. Os países do
Eixo foram absolutamente derrotados e praticamente destruídos.
E os colonos italianos voltaram? O
que aconteceu com eles? A historiografia regional ainda não realizou pesquisas
mais aprofundadas a esse respeito. Sabe-se pelos depoimentos colhidos que uma
parte deles voltou, após mais de dois anos de ausência. Outros acharam por bem
nunca mais retornar, achando por bem recomeçar a vida em outro lugar. Uma
parcela fixou residência em Pitanga ou Manoel Ribas, outros se mudaram para
Santa Catariana, para São Paulo, para Curitiba ou mesmo para a Argentina.
Após o término da Segunda Guerra
Mundial o Governo Federal determinou a liberação dos bens apreendidos da Companhia
Espéria. A empresa retornou à legalidade e reiniciou a venda de lotes no Oeste
paranaense para cidadãos brasileiros.
Como o governo do Estado do Paraná
havia apreendido judicialmente todos os bens da companhia houve com essa nova
comercialização de ações, um debate que passou a se desenvolver no campo da
legitimidade do direito aplicado. O futuro da companhia seria decidido nos
tribunais.
Tomaram
parte nessas discussões o Governo do Estado, o Governo Federal e os n ovos
proprietários das ações da Espéria. Em não se concretizando um acordo entre as
partes, deliberou-se que o caso fosse levado à resolução do Supremo Tribunal
Federal, no Rio de Janeiro. A decisão dessa instância superior, que procurou
resguardar o direito de propriedade dos acionistas, teve como consequência o
acirramento das dissensões entre o Governo do Estado e a Espéria. O caso
permaneceu sob pendência até a década de 1950, quando foi definitivamente
resolvido com a saída da Companhia Espéria que transacionou com o estado o
restante dos seus títulos de propriedade (COLODEL, 1988, p. 209).
Antoni Cinecatti, sua mulher Rosa,
Francesco e seus quatro irmãos voltaram para Santa Helena. Fizeram a viagem para
Foz do Iguaçu embarcados num caminhão Ford com mais duas famílias. Viagem
desconfortável, longa, cheia de ansiedade e reflexões. Em Santa Helena, assim como
outros, encontraram a propriedade e a lavoura completamente abandonadas. O
cenário era desolador. Anos que se perderam. A guerra não havia sido boa para o
lugarejo e nem a boa recepção oferecida pelos vizinhos e amigos foi suficiente
para lhes garantir ânimo novo. Não se entregaram de pronto, retornaram à luta,
mas lá no fundo bem sabiam que o sonho de fazer a vida no Oeste do Paraná havia
sido desfeito aquela tarde quando foram embarcados com destino a Foz do Iguaçu
e depois Pitanga. Antoni se culpava por ter se fiado na conversa daquele
corretor de imóveis da Companhia Espéria, mas não podia voltar ao passado para
mudar o presente.
Nos dias seguintes tentaram reaver os
animais que haviam deixado. Mais uma decepção. O tal amigo fora embora há mais
de um ano e antes de partir vendera os animais para um comerciante de Foz do
Iguaçu. O comentário era o de que ele retonara para São Paulo, mas ninguém
sabia ao certo. Foi demais.
Reunião de família e a decisão de
recomeçar, novamente recomeçar. Mas onde?
___________________________
REFERÊNCIAS
COLODEL, José Augusto. Obrages & companhias colonizadoras.
Santa Helena na história do Oeste paranaense até 1960. Cascavel, Assoeste,
1988.
YOKOO, Edson Noriyuki. Gênese do processo de apropriação das
terras, o caso das companhias ferroviárias e dos ervateiros no Oeste
paranaense. Ponta Grossa, Fundação Araucária, 2010.
BOURDIEU, Pierre. O
poder simbólico. Rio de Janeiro, Lisboa: Difel e Bertrand Brasil, 1989.
ALBUQUERQUE JÚNIOR. A
Invenção do Nordeste e outras artes. 1. ed. São Paulo/Recife:
Cortez/Massangana, 1999. v. 2000. 340 p.
SERRA, Elpídio. Processos
de ocupação e a luta pela terra agrícola no Paraná. Rio Claro : UNESP, 1991.
Tese de Doutoramento
[1]
Pelo
Brasil afora, a partir de 1942, aproximadamente 3 mil pessoas de origem alemã,
italiana e japonesa foram encarceradas em dez campos de concentração. Eis sua
localização: Daltro Filho, no Rio Grande do Sul; Trindade, em Santa Catariana;
Presídio de Curitiba, no Paraná; Guaratinguetá, Pirassununga, Pindamonhangaba e
Ribeirão Preto, em São Paulo; Pouso Alegre, em Minas Gerais, Niterói, no Rio de
Janeiro, Chã de Estevam, em Pernambuco e, finalmente, Tomé-Açu, no Pará.
Importante que se diga que esse período da história brasileira nunca foi incluso
nos livros didáticos porque, até 1996, era confidencial. O governo permitia
apenas o acesso parcial aos dados. Os arquivos oficiais foram lacrados sob uma
lei que proibia consultas ou pesquisas por 50 anos. Em 1988, o prazo foi
diminuído para 30 anos.
Muitas
outras medidas de cerceamento à liberdade foram tomadas contra os estrangeiros
que imigraram ao Brasil. A proibição de rádios, máquinas fotográficas, livros e
falar o italiano, o alemão e o japonês era comum e sua desobediência
considerada criminosa.
Tais campos
de internamento foram criados de forma variada nos Estados brasileiros. Em
colônias penais agrícolas, em asilos, em hospitais e cadeias. Os imigrantes
tiveram variadas formas de aprisionamento. A legislação da época era
estabelecida pelos próprios Estados, diante de suas possibilidades carcerárias.
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