História e biografia, biografia e história.
José Augusto Colodel
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A narrativa biográfica supõe uma modalidade de escrita da História
profundamente imbricada nas
subjetividades, nos afetos,
nos modos dever, perceber e sentir o outro. Talvez este
seja o grande desafio do trabalho biográfico: ao falar do seu personagem, o
biógrafo, de certa forma, fala de si mesmo, projeta algo de suas emoções, de
seus próprios valores e necessidades. (Borges, 2009, p. 232)
A discussão que se abriu sobre o tema é
razoavelmente recente, ampla e vai ampliar-se ainda mais. Não faz muito que a
chamada biografia histórica ganhou
um maior espaço e conceito entre os cientistas sociais, notadamente os
historiadores, embora ainda coexistam inúmeras controvérsias quanto ao alcance
de sua legitimidade e aplicação. Mas nem sempre foi assim.
No mundo antigo a biografia dos
grandes personagens confundia-se com a narrativa e a narrativa confundia-se com
a história. Quem não se lembra da Ilíada e da Odisseia? De Ulisses, Helena,
Páris, etecétera? Heróis num plano maior, protagonistas. Seus feitos chegaram
até nós, pois a retórica assumiu para Homero, Tucídetes e Heródoto, dentre
outros, papel fundamental à medida que transformou homens em semideuses através
do belo e bom discurso escrito. O importante era o efeito literário, a
linguagem. E a história? A história, com todas as suas contradições e
complexidades, acessória enquanto tal, deveria se encaixar às ações
individuais. Submissão do coletivo ao individual. O individual tornando-se
imortal.
No século XIX, as
biografias tiveram importante papel na construção da ideia de “nação”,
imortalizando heróis e monarcas, ajudando a consolidar um patrimônio de
símbolos feito de ancestrais fundadores, monumentos, lugares de memória,
tradições populares etc. Esta concepção foi retomada pela corrente positivista. A biografia
assimilou-se à exaltação das glórias nacionais, no cenário de uma história que
embelezava o acontecimento, o fato. Foi a época de ouro de historiadores
renomados como Taine, Fustel de Coulanges e Michelet, autor de excepcionais
retratos de Danton a Napoleão.(Del Priori, 2001).
O
pensamento positivista resgatou a importância das biografias para compreensão
da História. Contudo, grande parte dos historiadores contrários a essa
doutrina, cujo foco de interesse prioritário estava nos grandes homens, nos
grandes acontecimentos históricos e grandes batalhas, predominantes nos textos
de história no final século XIX e início do século XX, contribuiu para a sua
negação nas décadas que se seguiram.
Com o
advento da “Nova História” dos Annales na França e da historiografia marxista
passou a reinar quase que inconteste a chamada história das estruturas. A longa
duração passou a explicar as ações humanas segundo determinações que escapavam
aos indivíduos per si. Impôs-se então que somente a longa duração seria capaz
de recuperar os grandes movimentos das sociedades em suas regularidades e
permanências, escapando à superficialidade dos fatos. Nessa perspectiva a
análise das estruturas econômicas e sociais firmaram-se como o eixo de
observação predileto dos historiadores, preocupados em desvendar o mundo
histórico em sua processualidade. A História Política, rica em acontecimentos e
apresentada por meio de uma narrativa linear, deveria ser sepultada de uma vez
por todas.
O reinado da história
estrutural permaneceu inatacado, inconteste até a década de 1960, quando
começaram a despontar alguns estudos que procuravam reinserir o indivíduo na
trama da história, mas de maneira diferente do que acontecia com a
historiografia produzida no século XIX. Uma mudança de foco ou como nos ensina
Le Goff (1990), a adoção de uma biografia
histórica nova que, sem reduzir as grandes personagens a uma explicação sociológica,
esclarece-as pelas estruturas e estuda-as através de suas funções e papéis.
Entretanto, o historiador
que deseja penetrar na seara da biografia e história, história e biografia,
deve ter na devida conta que jamais deverá deixar de lado os princípios básicos
e norteadores da pesquisa histórica sob pena de produzir uma história
ficcional. E isso acontece principalmente quando ele se depara com lacunas
documentais ou perguntas que não encontram explicação imediata.
O campo da escrita
biográfica é certamente um palco privilegiado de experimentação para o
historiador, que pode avaliar o caráter ambivalente da epistemologia do seu
ofício, inevitavelmente tenso entre seu pólo científico e seu pólo ficcional.
Desta forma, a biografia provoca um polêmico questionamento à absoluta
distinção entre um gênero verdadeiramente literário e uma dimensão puramente
científica, suscitando a mescla, o hibridismo, e expressa, assim, tanto as
tensões como as convivências existentes entre literatura e Ciências Humanas (Avelar, 2010,
p.161).
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