Uma história
de bandeirantes e de escravos
José Augusto Colodel
José Augusto Colodel
Parte final
No Brasil Colônia, sob o domínio lusitano, a carência de mão de obra se fazia sentir nas grandes
propriedades rurais paulistas. Aqui quem trabalhava de sol a sol eram os escravos
provenientes de mama África, mas a
sua remessa não era suficiente para as demandas locais, embora o tráfico estivesse funcionando regularmente. Além de chegarem ao Brasil em números
insuficientes iam se tornando cada vez mais caros em função da famosa lei
da oferta e da procura.
Moenda em fazenda paulista do século XVII. |
Sendo assim, o que fazer? Solução encontrada: escravizar os indígenas que
podiam ser aprisionados em território inicialmente controlado pela Coroa
portuguesa. E foi o que fizeram. Mas também os
escravos indígenas logo rarearam e a falta de braços para a lavoura começou a
pesar cada vez mais. O negócio foi passar por cima da linha imaginária
conhecida como Meridiano de Tordesilhas e lançar mão aos milhares de índios que
habitavam toda a porção ocidental do atual território do brasileiro – com o
Oeste paranaense incluído, é óbvio.
Como a necessidade é a mãe de todas as
atitudes, já nos primeiros anos do século XVII bandeirantes [1]
oriundos de terras de São Vicente (São Paulo) internaram-se nos domínios
espanhóis com o firme propósito de aprisionar os indígenas que encontrassem
para depois vendê-los aos fazendeiros paulistas. No mercado de
escravos o preço obtido por cada índio capturado era ótimo e compensava todos
os riscos enfrentados por essas expedições de pilhagem.
A
notícia da presença de aventureiros portugueses na região da Província do Guairá caiu como
um raio entre as comunidades espanholas. Mais temerosos ainda ficaram os
missionários da Companhia de Jesus, responsáveis pelas reduções. As queixas espanholas desaprovando essas
invasões territoriais eram cada vez mais veementes. O Governo da Capitania de
São Paulo respondia que também as desaprovava
mas que por falta de recursos materiais e humanos não podia fazer muita coisa.
Na verdade, as autoridades paulistas davam total apoio às expedições
bandeirantes. Os interesses comerciais e políticos falavam bem mais alto do que
a obediência de meras formalidades diplomáticas expostas num tratado que tinha
tudo para ser descumprido.
E os
portugueses em vez de refrear seu ímpeto pela captura de mão de obra escrava aumentam-no cada vez mais. Como se não bastasse escravizar os indígenas que
viviam espalhados pelas tribos no Guairá também começaram a atacar de modo
sistemático e impiedoso as reduções jesuíticas estabelecidas naquela região.
Saliente-se que o ataque a essas reduções revestia-se de uma enorme vantagem
aos portugueses na medida em que os indígenas ali aldeados já haviam sido
completamente domesticados pelos jesuítas, constituindo-se numa farta reserva
de mão de obra previamente disciplinada.
Os jesuítas, atacados
violentamente pelas expedições portuguesas e não contando com o apoio integral
dos espanhóis que ali habitavam, viram suas Reduções serem devastadas num ritmo
incrivelmente veloz. Comandadas pelo bandeirante Antonio Raposo Tavares, as
expedições portuguesas lograram destruir todas as Reduções do Guairá no espaço
de tempo de apenas quatro anos! De 1629 a 1632(COLODEL, 1988, p. 33).
E foi a ferro e sangue! Dos
quarenta mil índios aldeados na Província do Guairá, restavam somente doze mil
em 1631!
Diante
das investidas portuguesas, as reduções jamais foram restauradas e os indígenas
que delas sobreviveram fugiram ou foram transferidos pelos jesuítas cada vez
mais para o interior. Contingentes atravessaram o rio Iguaçu e
chegaram ao território paraguaio onde fundaram uma comunidade de nome Vila
Rica.
Durante
o êxodo dos jesuítas pelos rios Paranapanema e Paraná até a região do
Paraná-Uruguai, constantes também foram os ataques perpetrados pelos próprios
espanhóis que se aproveitaram da oportunidade para arrebanhar alguns índios e reduzi-los
à escravidão. Dos aldeamentos existentes somente os de Santo Inácio Mini e
Nossa Senhora de Loreto conseguiram escapar ilesos dessa tragédia, por se
situarem na região mais setentrional das terras paranaenses.
Acampamento bandeirante |
A violência se espalhou pois as
investidas portuguesas não se resumiram aos ataques às reduções jesuíticas.
Povoações espanholas também não conseguiram escapar à sua fúria. Tanto que Vila
Rica e Ciudad Real tiveram que ser abandonadas em 1632 após terem sido
assediadas pelas expedições militares paulistas.
Essa
rotina de saques e destruição somente chegou a termo lá por volta de 1641 quando os remanescentes jesuítas e indígenas organizam-se e derrotam a Bandeira
de Jerônimo Pedroso de Barros e Manuel Pires, junto ao rio Mbororé. Após mais
de meio século os paulistas conheceram o sabor amargo da derrota. Porém, essa
vitória isolada em nada contribuiu para reverter uma situação que se impunha
como nova.
O aparecimento inesperado das bandeiras paulistas na porção ocidental do território paranaense
teve como contrapartida o surgimento de novos delineamentos políticos e
econômicos em toda essa imensa região, até então controlada exclusivamente
pelos interesses espanhóis. Agindo de maneira tempestuosa e destruidora as
Bandeiras serviram como fator decisivo para a desarticulação e rompimento da
expansão espanhola rumo ao Oceano Atlântico – expansão que tinha como
ponta-de-lança as reduções jesuíticas. Sendo obrigados a abandonar toda a
região compreendida pela margem esquerda do rio Paraná os espanhóis deixaram o
caminho livre para que se estabelecesse o uti
possidetis português naquelas paragens ainda diplomaticamente pertencentes
ao Reino de Espanha.
A presença
portuguesa por toda essa região foi se impondo com os anos. O Meridiano de
Tordesilhas há muito ultrapassado e foi perdendo sua magnitude delimitatória.
Finalmente, em 1750 foi celebrado o Tratado de Madri, o qual confirmou
diplomaticamente as novas fronteiras entre os domínios espanhóis e portugueses.
O Oeste paranaense foi ratificado como português, sendo o rio Paraná a
fronteira natural com as possessões espanholas.
Com
a destruição das reduções jesuíticas e demais povoações espanholas no
Guairá, a margem esquerda do Paraná viu-se num estado de quase completo
abandono. Afinal de contas os portugueses tinham interesses nos indígenas que
podiam escravizar e esses abandonaram aquela área. Assim, deserta e sem
atrativos econômicos ou políticos ficou esquecida por mais de uma centena de
anos.
E assim foi até a chegada do século XIX. Porém, agora não seriam mais as
pedras e metais preciosos ou o preamento de indígenas a serem escravizados os
fatores que atrairiam novos interesses para o Oeste paranaense. Novos produtos
estavam em destaque comercial. A erva-mate e a madeira eram o binômio econômico que despertava a cobiça de novos aventureiros.
Ataque bandeirante |
E seriam novamente os espanhóis e seus descendentes os responsáveis pelo processo de
exploração econômica dessas novas riquezas vegetais. Só que o retorno desses
aventureiros ao Oeste paranaense se daria de maneira muito mais organizada e durante um vasto espaço temporal exerceriam completo controle político e
econômico em todas as esferas de interesses representativas. Para tanto, muitas
vezes contariam com a impotência e incompetência administrativas das autoridades
governamentais brasileiras, seja pelo abandono ou pela adoção de uma política
de colonização equivocada.
Seja
como for, a presença estrangeira no Oeste paranaense teria como conseqüência a
estruturação de um universo social típico, com formas de exploração e dominação
específicas, alicerçadas no mandonismo local e tendo como pólo irradiador
verdadeiros impérios agrários – as obrages!
[1] Responsável pela
incorporação de cerca de dois terços do atual território nacional à Coroa
portuguesa, o bandeirantismo pode ser dividido, em linhas gerais, em duas
fases: até meados do século XVII, as expedições bandeirantes dirigiram-se ao
Sul à cata de indígenas para serem
escravizados; daí para frente seu interesse maior foi a busca de metais e
pedras preciosas.
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
COLODEL, José Augusto. Obrages
& companhias colonizadoras: Santa Helena na história do Oeste
paranaense até 1960. Cascavel : Assoeste, 1988.
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