E pelas ruas o carro de som anunciava:
hoje tem cinema? Tem sim senhor!
Quando a TV ainda era novidade as telonas dominavam.
Eram os anos sessenta. Época do iê-iê-iê, dos cabeludos, dos Beatles, do maio de 68 em Paris, da Cuba Libre, de Fidel Castro, da corrida espacial entre russos e americanos, da nova capital Brasília e do Golpe Militar de 64, com os seus imperdoáveis “anos de chumbo”.
Enquanto tudo isso acontecia, em Santa Helena e em outras cidades do Oeste do Paraná a moçada tinha que dar duro pra encontrar algum divertimento. O trabalho na roça, ainda no muque, não era fácil e o lazer ficava reservado para os finais de semana ou quando tinha festa na paróquia. As tão tradicionais caçadas e pescarias também eram motivos para a reunião de alguns companheiros, pois o bicharedo e peixe graúdo era o que não faltava, principalmente nas águas agitadas do Paranazão!
Tinha baile também e os primeiros arrasta-pés que aconteceram na cidade de Santa Helena foram lá na antiga oficina do saudoso Argemiro Kozerski, por volta de 1959. Mais tarde eles passaram a ser feitos no Hotel Webber, abrilhantados por músicos como o Arno Nagel, Ervino Dietrich, Arlindo Cattani, Arnildo Bussler, Nestor Fockink e o Thauhat. O repertório, variado, incluía a valsa, xote, vaneirão, baladas, marchinhas e também a polca.
A coisa melhorou muito a partir de 1962 quando foi inaugurado o Salão Meyer, sobre o qual falaremos em outra oportunidade.
Quem também dava ares de músico era o Luiz Remonti. A bem da verdade, o Remonti fez de tudo um pouco. Esse gaúcho de Lageado chegou a Santa Helena em 1959 e, como era costume, se hospedou no Hotel Webber. Ali começou a exercer a função de dentista, ou melhor, de prático; profissão que aprendeu em Santa Catarina. Ah ! Ele ainda foi sapateiro. Hoje é comerciante.
Mas ele queria mais. Ser fotógrafo era bom, mas podia ser melhor. Daí, da fotografia para o cinema foi só um passo.
Na cidade a novidade criava expectativa e corria de boca em boca. A primeira exibição cinematográfica aconteceu no dia 1º de novembro de 1966 na antiga sede do Clube Incas, na época localizada defronte à Usina de Conhecimento.
Os moradores se acotovelaram para assistir, em preto e branco, a comédia “Os Três Patetas”. Nascia nesse espaço improvisado o Cine Remonti. Em 20 de novembro de 1969 foram inauguradas, na Avenida Brasil, suas novas dependências, em alvenaria. O filme de estreia foi “A Morte Comanda o Cangaço”. Em 13 de janeiro de 1972 foi exibido o primeiro filme em 35 milímetros: “El Condor”.
Era casa cheia quase sempre. Os pipoqueiros e doceiros de plantão riam à toa. Gente de todas as idades, da cidade e do interior, era atraída pelos “bang bangs”, pelas aventuras do Tarzan e do Jim das Selvas, pelos filmes policiais e de guerra; pelas comédias e desenhos animados.
O cine era ponto de encontro das famílias, local preferido para as “paqueras” e para casais de namorados. Quem não se lembra do alvoroço da piazada antes de começar o filme, do lanterninha sempre de olho em tudo, das broncas, do chicletes Plets, do saquinho de amendoim crocante, da Coca-cola geladinha e da fita arrebentando na parte boa do filme?
Prédio do Cine Remonti, antes da “reforma” em 2004. Atualmente ele pertence ao município de Santa Helena. |
Mas como tudo o que é bom um dia acaba, com o Cine Remonti não foi diferente. Do mesmo jeito que a floresta cedeu lugar à lavoura o cinema foi perdendo espaço para o televisor e para o videocassete, que foram inexoravelmente se popularizando.
Não deu pra aguentar. O público foi diminuindo mês a mês. Já caíra bastante com o êxodo rural que veio com a formação do Lago de Itaipu, em 1982. A falta de espectadores e o dinheirão a ser pago pelos filmes alugados não compensavam mais. O negócio se tornou inviável.
Assim, lamentavelmente, em 30 de novembro de 1990 foi exibido último filme da longa trajetória do Cine Remonti. O título, bem ..., ele não poderia ser mais sugestivo: “Cyborg, o Dragão do Futuro”.
Olá Colodel! Histórias como essa se repetiram em outras cidades do país. Relembrei com saudades. E quando o circo chegava...
ResponderExcluirLer esta matéria me fez reviver as historias contadas pelo meu pai (Nestor Fockink) com aquele brilho saudosista nos olhos....gostei muito.
ResponderExcluirQue excelente e encantador esse relato.
ResponderExcluirO Cine Remonti faz parte da minha Santa Helena mítica.
Grato pelas memórias.
Uma dúvida: existem outras imagens do Cine Remonti?
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