quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Rio Paraná: caminho de pessoas, mercadorias e idéias.

  Para o Oeste paranaense o Rio Paraná, antes do aparecimento do Lago de Itaipu, foi, dentre outros, o meio físico condutor de todo um processo de natureza histórica que se confunde com a própria história da ocupação, povoamento e colonização modernos na região.
O Rio Paraná, seus portos de embarques e seus vapores.
[O rio Paraná] é um rio totalmente político. Os seus formadores separam: o primeiro, o Estado de Minas Gerais do de Goyaz e o segundo, o grande Estado montanhêz do prospero Estado de São Paulo, formando ambos o rico triangulo mineiro (FIGUEIREDO, 1937. p.121).

[...] a importancia que o [rio] Paraná exerce na historia da America, se perde nas noites do tempo. Era por êle que os castelhanos subiam na ancia louca da ambição, em busca de castelos doirados dos Incas. Ainda por êle desciam os masculos bandeirantes paulistas, á cata do ouro fascinante de Cuiabá, baixando o Tietê e subindo o Pardo (Id. p.124)
     
       Tal constatação é fácil de ser aquilatada quando do manuseio das fontes documentais que dizem respeito à história da Região Oeste.
Construção de jangada em Porto Mendes. A madeira retirada do Oeste paranaense seguia pelo rio Paraná em direção às províncias de Corrientes e Missiones, em território argentino.
       Os moradores mais antigos que na região chegaram às primeiras décadas do século XX são unânimes em longos relatos sobre o rio Paraná, sobre o majestoso “Paranazão”. Para eles ele era parte integrante do dia a dia. Vale dizer que muitos deles chegaram ao Oeste paranaense via Paranazão, usando-se de vapores argentinos e paraguaios.
         Durante dezenas de anos foi a artéria de comunicação mais importante existente na região, numa conjuntura em que as estradas praticamente inexistiam ou não passavam de simples picadas abertas rudimentarmente e que raramente ofereciam condições razoáveis de trânsito. Uma pesquisa rápida no material cartográfico da época mostra imediatamente a precariedade da malha viária da região nas primeiras décadas do século XX.
     O rio Paraná era um caminho natural de locomoção por onde trafegavam pessoas, mercadorias e idéias. Nas suas barrancas estruturaram-se dezenas de portos fluviais em ambas as margens, seja em território brasileiro ou paraguaio.
    No lado brasileiro, no início do século XX existiam os seguintes portos no Alto Paraná, a partir de Foz do Iguaçu, em direção a Porto Mendes: Foz do Iguaçu, Bela Vista, Sol de Maio, Santa Helena, Jejuí, Porto Felicidade, Porto Britânia, Porto Rio Branco, São Francisco, Porto Artaza e Porto Mendes.
    Na maioria desses portos em função das barrancas do rio Paraná serem muito íngremes, com mais de cinqüenta metros, o embarque e desembarque de passageiros e mercadorias era feito por meio de zorras movidas a vapor, tração animal ou mesmo usando braços humanos.
     Fronteira natural entre o Brasil e o Paraguai o rio Paraná não impediu que a Região Oeste fosse objeto dos interesses comerciais de capitalistas argentinos. Ao contrário, contribuiu.
    Oriundos preferencialmente das províncias de Corrientes e Missiones os obrageros argentinos montaram no Brasil verdadeiros impérios destinados à exploração da erva-mate e da madeira. Para isso, desde o final do século XIX, com a anuência ou não do governo imperial brasileiro, adquiriram vastíssimas concessões de terras de onde retiraram imensas quantidades dessas riquezas vegetais.

Portos de Corrientes e Posadas.
     Retiradas dos sertões eram transportadas até as margens do rio Paraná e dali, por meio de vapores, balsas ou jangadas, eram encaminhadas até o território argentino, onde eram beneficiadas.
     Nessas gigantescas concessões de terras transpôs-se para o Oeste paranaense todo um modus vivendi socioeconômico característico e que ficou conhecido como obrages, sendo os seus proprietários chamados de obrageros.
Mensu paraguaio na recolha da erva-mate.
     Enquanto os capitalistas argentinos entraram com a “propriedade da terra”, a mão de obra destinada à sua exploração era proveniente do Paraguai. Eram os chamados mensus - trabalhadores manuais que aqui aportavam carregando como mudança expectativas de trabalho e dinheiro. Sonho esse que rapidamente se desfazia na dura realidade do trabalho quase escravo das obrages.

A compreensão do universo de vida desses indivíduos somente ganha contornos mais nítidos se, antes de tudo, entendermos como foram organizados os vastíssimos domínios rurais que se estabeleceram em quase todo o oeste paranaense e sul do Mato Grosso, e que eram conhecidas como ‘obrages’ (COLODEL, 1992, p.129).


      Durante o longo período em que se explorou a erva-mate e a madeira no Oeste do Paraná, por intermédio das obrages, quase a totalidade da mão de obra arregimentada para a execução dessas atividades era composta por trabalhadores paraguaios. Eram os chamados guaranis modernos: mensus ou peões. A designação era dada aos indivíduos que se propunham trabalhar braçalmente numa obrage. O termo equivale-se ao peão, sendo que o seu trabalho era pago mensalmente, ou pelo menos sua conta era assim movimentada. Se procurarmos a raiz etimológica dessa expressão, veremos que ela vem do espanhol: mensual, ou seja, mensalista.
      Não nos aprofundaremos em todas as particularidades inerentes no sistema de exploração/coerção representado pelas obrages. Diremos apenas que elas dificilmente lograriam sobreviver por tão longo período de tempo - cerca de meio século - ou nem mesmo assumiriam as características que assumiram caso não houvesse o rio Paraná.
Obrageros e erva-mate.
      Torna-se fácil explicarmos a presença das obrages, cujas atividades eram praticamente desconhecidas durante o final do Império e os primeiros anos da República Velha, sem levarmos em consideração que todo o Oeste paranaense ficara praticamente abandonado pelas autoridades governamentais brasileiras. Região de fronteira, despovoada em grande parte, somente mereceria um pouco atenção quando da fundação da Colônia Militar de Foz do Iguaçu, em 1889. É dessa época a vinda dos primeiros colonos brasileiros para a região.

      Mesmo após a chamada Revolução de 1930 a situação de abandono em que se encontrava a região permanecia praticamente inalterada para aqueles que percorriam a região, vindos de outras paragens.
          
O oéste paranaense tem dois pontos de atração do seu comercio: Guarapuava, que regula as transações com o litoral e Foz do Iguassú, que faz o intercambio pelo rio Paraná.
Por Guarapuava se exporta o mate, o pinho, o gado, o porco e alguns cereais; por Foz do Iguassú, somente mate e madeira.
Foz do Iguassú consome grande quantidade de produtos argentinos e paraguaios, que entram no Brasil, em sua grande maioria, pela porta larga do contrabando (FIGUEIREDO, 1937. p. 85).

A cidade [Foz do Iguaçu] possue um porto servido por uma rampa muito bem construída, que nasce numa extensa praia de arêia amarela. O Porto fica num remanso, onde os redemoinhos, girando com excessiva velocidade, entravam de certo modo a atracação. Defronte do nosso porto ha o paraguaio Porto Franco, aberto recentemente por uma companhia de extração de madeiras.
O gerente da companhia, senhor MATTEUDA, informou-me ter conseguido exportar 1.000 vigas mensais.
Parece-me que o regime de trabalho adotado na tal companhia é o da escravatura (Id. p. 86).  

      Não se pode negar que a passagem da famosa Coluna Prestes em terras paranaenses, em 1924/25, serviu como um alerta aos governos paranaense e brasileiro, a partir do momento em que a imprensa escrita começou a denunciar o estado de abandono em que se encontrava toda a região.
      Entretanto, somente com a Revolução de 1930, é que a Região Oeste começou a ser o alvo da atenção do governo federal. Aconteceu quando Getúlio Vargas iniciou o seu programa político-ocupacional denominado Marcha para o Oeste, com a consequente nacionalização da região, através de um povoamento mais organizado e cassação das concessões de terras antes em mãos argentinas e paraguaias.
     Nessas marchas e contramarchas, permaneceu o rio Paraná como o suporte logístico de maior importância. Desde o último quartel do século XIX suas margens estavam em constante agitação com o surgimento de mais de duas dezenas de portos. Os núcleos de povoamento que foram aparecendo no interior dependiam quase que exclusivamente do rio Paraná para a sua sobrevivência. Criou-se entre a população oestina e o rio Paraná um relacionamento cultural extremamente forte e duradouro.
Sistema de zorras. Cargas e passageiros desciam e subiam pela barranca íngreme e perigosa.
No atracadouro improvisado o vapor aguarda.
     Tal relacionamento logrou perdurar até o momento em que a rede viária atingiu certa magnitude e começou a arcar com as tarefas de transporte e comunicação.
     Deve-se destacar que o desenvolvimento e proliferação da malha de estradas carroçáveis não aconteceu de maneira rápida e uniforme. Mesmo após o início da década de 1940, quando novos fluxos de colonos redescobriram o Sudoeste e o Oeste paranaense e se fixaram de maneira mais intensa, o número de estradas nessas regiões era ridiculamente pequeno e essas se apresentavam em péssimas condições de uso. Eram flagrantes as dificuldades com que as levas migratórias se deparavam para chegar à região através das raríssimas vias terrestres existentes. Depoimentos orais colhidos com personagens que aqui chegaram nessa época são fartos e unânimes nesse aspecto. A nossa principal via terrestre de comunicação, a BR-277, somente foi asfaltada em meados da década de 1960!
Vapor atracado no rio Paraná, acompanhado de duas balsas.
     A navegação a vapor no rio Paraná, no trecho compreendido entre Porto Mendes e Foz do Iguaçu, recebeu um duro golpe quando o governo revolucionário de 1930 resolveu nacionalizar a região de fronteiras. As grandes extensões de terras, antes sob o controle de capitalistas argentinos voltaram ao domínio do brasileiro, que procurou repassá-las a empresários nacionais que tivessem interesse em colonizar a região, através de empresas legalmente constituídas.
     Não tendo mais aqui suas obrages, os empresários argentino pouco a pouco foram desativando suas empresas de navegação a vapor, já que não tinham mais o monopólio da extração da erva-mate e da madeira.
     Tão grande era a influência argentina e paraguaia nesta região que uma das primeiras medidas tomadas pelo governo revolucionário de Vargas foi a de obrigar o uso da língua portuguesa nas escolas e repartições públicas em atividade no Oeste paranaense, já que se falava quase que exclusivamente o castelhano e o guarani! Isso sem falar que dentro das obrages o pagamento dos mensus, quando era feito, e isso era raro, era através de um dinheiro próprio, mandado emitir pelos próprios obrageros!
      Pode parecer, e isso não é verdade, que com a saída dos obrageros o rio Paraná perdeu por completo sua importância dentro do contexto socioeconômico regional. Longe disso.
    As populações aqui estabelecidas continuaram mantendo estreitos laços com aquela artéria navegável até o momento de seu desaparecimento, com a formação do reservatório da Hidroelétrica de Itaipu Binacional, em 1982.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COLODEL, José Augusto. Matelândia: história & contexto.  Cascavel : Assoeste, 1992.

FIGUEIREDO, Lima. Oéste Paranaense. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1937. p.121.

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