sexta-feira, 14 de dezembro de 2012


O último Natal

Pai Nosso, que estais no Céu 
Santificado seja o Vosso Nome. 

         Madrugadinha abafada de 28 de dezembro de 1962. Fazendo um baita esforço o velho gaúcho lentamente se acomodou  ao lado do motorista da camionete e, cabisbaixo, relutou olhar para os lados. Não tinha coragem.
       Coragem? Coragem era um predicado que nunca antes tinha lhe faltado. Entretanto, naquele momento sabia que deixava para trás os retalhos de uma vida marcada pelo trabalho pesado, lutas, dissabores, realizações e sabe lá Deus mais o quê.
       Mas era tão difícil não olhar que não aguentou  Instantes depois, como a desafiar a si mesmo, pousou os olhos na velha casa de madeira; seu castelo, o baluarte de um sonho iniciado no “osso do peito” décadas atrás.
       Da construção original, lembrou, somente havia trocado o telhado, inicialmente feito com tabuinhas lascadas. Que trabalheira deu! Na varanda viu com tristeza a mulher, a velha e tão amada companheira de todas as horas. Contemplou à distância os filhos e as noras se despedirem da parentada, da vizinhança e do compadre Vitorino, o novo dono do lugar. Estava de mudança, a primeira e a última que faria na vida. Estava de muda, de “mala e cuia”, para o Oeste do Paraná.
       O que mais lhe doía era o fato de não ter tido condições financeiras para segurar os filhos junto a si. O dinheiro sempre fora pouco, contado. O pedaço de terra, comprado há mais de trinta anos - cerca de cinco alqueires - não dava mais para o sustento da agora numerosa família. Eram no total sete filhos, sendo que os dois mais velhos tinham casado e, sem condições, se obrigaram a trazer as mulheres para debaixo do teto dos pais, como era costume. Bem sabia que não tinha alternativa alguma, pois a terra, além de “dobrada”, era pouca para tantas bocas.
       Pensava, remoía e antevia um futuro incerto para todos. Andava meio desnorteado. E assim foi até que um dos filhos trouxe a notícia da existência de um novo loteamento que estava sendo aberto no Oeste paranaense, num lugar chamado Santa Helena. Diziam ser terra boa, plana, escriturada e, o que era mais importante, barata.
       De início recusou a idéia. Deixar o Rio Grande, nunca! Ali nasceu, foi guri de estilingue e bornal,  frequentou o primário e ali se casou e criou os filhos. Imagine só ter que abandonar o rincão! Nem morto!
       Mas, sabe como é que é, a gente faz um plano, Deus faz outro e assim vai. A coisa foi apertando e o velho cerne, acuado, não teve outro jeito. Obrigava-se a ceder às evidências. Falou com a mulher, ponderaram e acabou concordando – e o coração pisado, pisado! Três semanas se passaram e o velho embarcou em caravana para Santa Helena. Viagem longa, mas absolutamente necessária. Queria conhecer de perto o local onde iria abrigar sua família e encerrar os seus dias. Pouco tempo depois estava de volta, com os papéis assinados e um sorriso amarelo na cara.
       Para a família reunida relatou que lá seria difícil num primeiro momento; tinham que começar do zero. A terra era fértil, de primeira, coberta de mato e com boas aguadas. De comodidade faltava quase tudo: de estrada a hospital! Ia ser duro, mas dava para encarar. Naquela mesma tarde falaria com o compadre Vitorino e fecharia negócio, conforme o combinado. E o combinado nunca é caro.
       Deus bem sabia que não era homem dado a queixumes, aprendera desde muito cedo a se virar com nada ou quase nada. Nunca lhe faltou coragem para enfrentar o serviço, por mais pesado que fosse. E não era só ele; a mulher também não era de se entregar por qualquer bobagem. Dos filhos, nem se fale, não tinha reparo, mesmo porque foram criados na lida, pelo exemplo e educação emanada dos pais. Assim sendo, viesse o que viesse eles dariam conta!
       Para a tradicional comilança de Natal que se aproximava matou dois porcos bem criados, fez embutidos, fritou a carne e colocou-a em latas cheias de banha. Essas iam para o Paraná juntamente com o cachorro paqueiro, ferramentas, alguma mobília essencial, roupas, utensílios de cozinha e objetos pessoais. Caso pudesse levar também o ar, as nuvens, os morros, o parreiral e o cheiro da terra, ele levaria!
       O último domingo antes da viagem foi reservado para um churrasco de patrão. Convidou parentes, amigos e vizinhos.  Era domingo de Natal, o último pisando naquele chão batido do quintal. O dia foi passando com ele ouvindo os acordes e lamentos de uma gaita bem tocada. Nem o bom vinho caseiro amenizava a dor e saudades antecipadas. No final da tarde, meio zonzo, cantou com sua voz grave canções que vinham desde a infância. Cantoria dos bons tempos de coral da antiga igreja entre os montes. Chorou, abraçado aos filhos e à velha companheira. Mas te pergunto: quem não choraria?
       Mesmo segurando o tempo com as duas mãos chegou a fatídica quarta-feira e com ela a hora da partida. Era escuro ainda quando acendeu pela última vez o tão usado fogão a lenha. Esquentou a água e preparou o chimarrão. De chaleira e cuia na mão foi para fora e sentou-se na escada. Fitava tudo com extremo cuidado, como a querer guardar cada detalhe bem lá no fundo da alma. Chorou novamente. Minutos depois estavam todos de pé, silenciosos em seus últimos afazeres.
       Um derradeiro adeus e puseram o pé na estrada. A poeira levantada pela camionete e pelo caminhão carregado com as tranqueiras até que serviam de consolo ao impedir a visão de um lar que ia ficando no passado. Olhando fixamente para a estrada à sua frente o velho gaúcho fez um juramento em silêncio: nunca, nunca mais voltaria! Doía demais! Meu Deus como doía!
       Passou aquele fim de ano em Santa Helena, em casa de estranhos. Fincou novas raízes, aprendeu a gostar do lugar e por aqui se aquietou.
       Nos anos seguintes celebrou outros tantos natais, mas na lembrança voltava ao velho quintal em Tucunduva. Revivia 1960 e o último Natal ali passado. E todas as vezes se pegava com os olhos cheios d’água. 
       Viúvo viveu de teimoso até que o Patrão do Céu veio buscá-lo em setembro de 2001. Tinha oitenta e nove anos bem vividos. O velho cerne levou à risca, amargurado até o último, a promessa que havia feito ao deixar o velho rancho em Tucunduva. Nunca mais voltou! Quem sabe agora, ao lado do Patrão Celestial,  pudesse reencontrar o ar, as nuvens, os morros, o parreiral e o cheiro da velha terra. Quem sabe... Pai Nosso Que estais no Céu...

José Augusto Colodel
Historiador
Acesse também o Blog do Colodel:
http://jaccolodel.blogspot.com/

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012


Uma história 
de bandeirantes e de escravos
José Augusto Colodel
Parte  final

      No Brasil Colônia, sob o domínio lusitano, a carência de mão de obra se fazia sentir nas grandes propriedades rurais paulistas. Aqui quem trabalhava de sol a sol eram os escravos provenientes de mama África, mas a sua remessa não era suficiente para as demandas locais, embora o tráfico estivesse funcionando regularmente. Além de chegarem ao Brasil em números insuficientes iam se tornando cada vez mais caros em função da famosa lei da oferta e da procura. 
Moenda  em fazenda paulista do século XVII.
        Sendo assim, o que fazer? Solução encontrada: escravizar os indígenas que podiam ser aprisionados em território inicialmente controlado pela Coroa portuguesa. E foi o que fizeram. Mas também os escravos indígenas logo rarearam e a falta de braços para a lavoura começou a pesar cada vez mais. O negócio foi passar por cima da linha imaginária conhecida como Meridiano de Tordesilhas e lançar mão aos milhares de índios que habitavam toda a porção ocidental do atual território do brasileiro – com o Oeste paranaense incluído, é óbvio.
      Como a necessidade é a mãe de todas as atitudes, já nos primeiros anos do século XVII bandeirantes [1] oriundos de terras de São Vicente (São Paulo) internaram-se nos domínios espanhóis com o firme propósito de aprisionar os indígenas que encontrassem para depois vendê-los aos fazendeiros paulistas. No mercado de escravos o preço obtido por cada índio capturado era ótimo e compensava todos os riscos enfrentados por essas expedições de pilhagem.
      A notícia da presença de aventureiros portugueses na região da Província do Guairá caiu como um raio entre as comunidades espanholas. Mais temerosos ainda ficaram os missionários da Companhia de Jesus, responsáveis pelas reduções. As queixas espanholas desaprovando essas invasões territoriais eram cada vez mais veementes. O Governo da Capitania de São Paulo respondia que também as desaprovava mas que por falta de recursos materiais e humanos não podia fazer muita coisa. Na verdade, as autoridades paulistas davam total apoio às expedições bandeirantes. Os interesses comerciais e políticos falavam bem mais alto do que a obediência de meras formalidades diplomáticas expostas num tratado que tinha tudo para ser descumprido.
     E os portugueses em vez de refrear seu ímpeto pela captura de mão de obra escrava aumentam-no cada vez mais. Como se não bastasse escravizar os indígenas que viviam espalhados pelas tribos no Guairá também começaram a atacar de modo sistemático e impiedoso as reduções jesuíticas estabelecidas naquela região. Saliente-se que o ataque a essas reduções revestia-se de uma enorme vantagem aos portugueses na medida em que os indígenas ali aldeados já haviam sido completamente domesticados pelos jesuítas, constituindo-se numa farta reserva de mão de obra previamente disciplinada.

Os jesuítas, atacados violentamente pelas expedições portuguesas e não contando com o apoio integral dos espanhóis que ali habitavam, viram suas Reduções serem devastadas num ritmo incrivelmente veloz. Comandadas pelo bandeirante Antonio Raposo Tavares, as expedições portuguesas lograram destruir todas as Reduções do Guairá no espaço de tempo de apenas quatro anos! De 1629 a 1632(COLODEL, 1988, p. 33).

       E foi a ferro e sangue! Dos quarenta mil índios aldeados na Província do Guairá, restavam somente doze mil em 1631!  
     Diante das investidas portuguesas, as reduções jamais foram restauradas e os indígenas que delas sobreviveram fugiram ou foram transferidos pelos jesuítas cada vez mais para o interior. Contingentes  atravessaram o rio Iguaçu e chegaram ao território paraguaio onde fundaram uma comunidade de nome Vila Rica.
     Durante o êxodo dos jesuítas pelos rios Paranapanema e Paraná até a região do Paraná-Uruguai, constantes também foram os ataques perpetrados pelos próprios espanhóis que se aproveitaram da oportunidade para arrebanhar alguns índios e reduzi-los à escravidão. Dos aldeamentos existentes somente os de Santo Inácio Mini e Nossa Senhora de Loreto conseguiram escapar ilesos dessa tragédia, por se situarem na região mais setentrional das terras paranaenses.
Acampamento bandeirante
     A violência se espalhou pois as investidas portuguesas não se resumiram aos ataques às reduções jesuíticas. Povoações espanholas também não conseguiram escapar à sua fúria. Tanto que Vila Rica e Ciudad Real tiveram que ser abandonadas em 1632 após terem sido assediadas pelas expedições militares paulistas.
    Essa rotina de saques e destruição somente chegou a termo lá por volta de 1641 quando os remanescentes jesuítas e indígenas organizam-se e derrotam a Bandeira de Jerônimo Pedroso de Barros e Manuel Pires, junto ao rio Mbororé. Após mais de meio século os paulistas conheceram o sabor amargo da derrota. Porém, essa vitória isolada em nada contribuiu para reverter uma situação que se impunha como nova.
     O aparecimento inesperado das bandeiras paulistas na porção ocidental do território paranaense teve como contrapartida o surgimento de novos delineamentos políticos e econômicos em toda essa imensa região, até então controlada exclusivamente pelos interesses espanhóis. Agindo de maneira tempestuosa e destruidora as Bandeiras serviram como fator decisivo para a desarticulação e rompimento da expansão espanhola rumo ao Oceano Atlântico – expansão que tinha como ponta-de-lança as reduções jesuíticas. Sendo obrigados a abandonar toda a região compreendida pela margem esquerda do rio Paraná os espanhóis deixaram o caminho livre para que se estabelecesse o uti possidetis português naquelas paragens ainda diplomaticamente pertencentes ao Reino de Espanha.
      A presença portuguesa por toda essa região foi se impondo com os anos. O Meridiano de Tordesilhas há muito ultrapassado e foi perdendo sua magnitude delimitatória. Finalmente, em 1750 foi celebrado o Tratado de Madri, o qual confirmou diplomaticamente as novas fronteiras entre os domínios espanhóis e portugueses. O Oeste paranaense foi ratificado como português, sendo o rio Paraná a fronteira natural com as possessões espanholas.
      Com a destruição das reduções jesuíticas e demais povoações espanholas no Guairá, a margem esquerda do Paraná viu-se num estado de quase completo abandono. Afinal de contas os portugueses tinham interesses nos indígenas que podiam escravizar e esses abandonaram aquela área. Assim, deserta e sem atrativos econômicos ou políticos ficou esquecida por mais de uma centena de anos.
       E assim foi até a chegada do século XIX.  Porém, agora não seriam mais as pedras e metais preciosos ou o preamento de indígenas a serem escravizados os fatores que atrairiam novos interesses para o Oeste paranaense. Novos produtos estavam em destaque comercial. A erva-mate e a madeira eram o binômio econômico que despertava a cobiça de novos aventureiros.
Ataque bandeirante
      E seriam novamente os espanhóis e seus descendentes os responsáveis pelo processo de exploração econômica dessas novas riquezas vegetais. Só que o retorno desses aventureiros ao Oeste paranaense se daria de maneira muito mais organizada e durante um vasto espaço temporal exerceriam completo controle político e econômico em todas as esferas de interesses representativas. Para tanto, muitas vezes contariam com a impotência e incompetência administrativas das autoridades governamentais brasileiras, seja pelo abandono ou pela adoção de uma política de colonização equivocada.
         Seja como for, a presença estrangeira no Oeste paranaense teria como conseqüência a estruturação de um universo social típico, com formas de exploração e dominação específicas, alicerçadas no mandonismo local e tendo como pólo irradiador verdadeiros impérios agrários – as obrages!


[1] Responsável pela incorporação de cerca de dois terços do atual território nacional à Coroa portuguesa, o bandeirantismo pode ser dividido, em linhas gerais, em duas fases: até meados do século XVII, as expedições bandeirantes dirigiram-se ao Sul à cata de indígenas  para serem escravizados; daí para frente seu interesse maior foi a busca de metais e pedras preciosas.

REFERÊNCIAS

COLODEL, José Augusto.  Obrages & companhias colonizadoras: Santa Helena na história do Oeste paranaense até 1960.  Cascavel : Assoeste, 1988.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012



Uma história de 
missionários e indígenas
José Augusto Colodel

Parte II

      Ano da Graça de 1608: reunião da alta cúpula da Igreja Católica espanhola, mais precisamente da controversa Companhia de Jesus. Agenda concluída e os jesuítas [1] recebem ordens diretas para cumprir importante agenda na América espanhola, com o objetivo de conduzir os indígenas para a fé cristã.  Essa era a idéia, mas a prática revelou-se bem diferente. Grandes obstáculos precisavam ser superados. Dentre tantos, a maior dificuldade encontrada pelos religiosos residia no fato de que a clientela – leia-se os milhares de índios guaranis que habitavam a região – vivia de maneira dispersa, perambulando de um lugar para outro. Não tinham residência fixa, se assim podemos dizer.

         Mas o trabalho espiritual não podia ser interrompido. Aquela gente sem alma tinha que ser convertida! Então qual foi a estratégia adotada pelos jesuítas franciscanos e dominicanos? Simples até. A criação de Reduções, as tão famosas Reduções Jesuíticas! Aldeias criadas com o intuito de concentrar em seu espaço tipo urbano o maior número possível de indígenas. Concentrar, educar, controlar, eis a boa nova!
         Convenhamos, a religião sempre foi um tremendo instrumento ideológico de dominação!
        O historiador Darlan  Marchi descreve o plano urbanístico das reduções, alertando que ele variava em muitos poucos detalhes entre uma e outra.

O modelo padrão consistia em uma rua principal que dava acesso à Igreja que era o prédio mais importante de todo povoado. No centro ficava a praça onde ocorriam as encenações religiosas e as festas populares. Em torno da praça ficavam alinhados os blocos de casas dos índios de forma ordenada, o que permitia o crescimento planejado do povoado. Junto a Igreja ficavam os prédios utilizados pela comunidade. De um lado ficavam a casa dos padres, as oficinas e o colégio, todos com amplos espaços e grandes pátios internos. Do outro lado da igreja ficava o cemitério e o cotiguaçu (casa que abrigava os órfãos e as viúvas). Atrás da Igreja ficava a quinta dos padres onde eram cultivadas hortaliças e árvores frutíferas. Ainda, na periferia das reduções, encontravam-se fontes de água, olarias onde se fabricavam os tijolos de barro chamados adobe e as telhas que serviam para a construção das casas, além de curtumes, açudes, capelas, estâncias e ervais (http://www.cantomissioneiro.com.br. Acesso em 10de maio de 2012).

      Esclarecemos que a área de atuação das ditas reduções era a chamada Província do Paraguai. Entenda-se que a palavra Paraguai designava no século XVI toda a bacia dos três grandes rios que convergem para o Prata, até aos Andes, do Chile ao Peru, para o interior da Bolívia, do Brasil e do Uruguai e mesmo dos Pampas ao sul de Buenos Aires, até aos confins da Terra de Magalhães. Haja terra! Tudo espanhola, de acordo com o Tratado de Tordesilhas.
       Já a origem das reduções remonta a 1603 quando o governador Hernán Arias de Saavedra reuniu os prelados do território de Assunção com a intenção de pedir ao Conselho das Índias e ao rei da Espanha a vinda de missionários jesuítas para a região com o fim de evangelizar os índios guaranis e promulgar leis proibindo a escravização destes. Também tinha em vista a orientação espiritual e moral dos colonos, é claro.
         Quanto a palavra guarani ela significa “guerreiro” com o sentido de “homem” e “homens verdadeiros”. 
     Quando nos detemos para observar o caráter organizacional das reduções jesuíticas no Guairá de pronto sobressai-nos a do modo de vida comunitário quando tratamos das relações sociais ali estabelecidas. Por exemplo, todas as terras eram trabalhadas em regime comunal, sendo que o produto colhido – milho ou mandioca – era repartido entre todos os membros da redução. Havia também a criação de gado, que era feita em pastos comuns até o momento em que era abatido. A carne e o couro eram distribuídos igualmente entre todos.
          Homens e mulheres tinham que realizar tarefas determinadas. Os homens tinham como centro de interesse a agricultura e a criação de gado, dentre outras. Já às mulheres era reservado o trabalho de artesanato. Além da alimentação, também eram elas que proviam a redução das peças de vestuário, aproveitando peças de tecidos de lã e de algodão, feitos ali mesmo. Na verdade, a Redução era quase autossustentável, já que tinha entre os seus membros artesãos, carpinteiros, pedreiros, tecelões, pintores, ferreiros, estatuários e fundidores.
            Quem se encarregava de toda a área educacional eram os padres, afinal a catequese dos indígenas era o seu principal objetivo. Das aulas todos os membros da redução tinham que participar não importando se fossem crianças ou adultos. Os adultos tinham suas aulas em horários especiais, quando estavam livres dos seus afazeres diários.
Planta básica de Redução Jesuítica na Província del Guairá
            Toda a safra colhida era depositada em grandes barracões, espécie de armazéns gerais. Ali ficavam bem abrigados das intempéries os produtos colhidos, retirados somente para o consumo dos moradores da redução ou para serem vendidos ou trocados por outros gêneros.
         Mas, como diz o dito, tudo que é bom dura pouco. Assim, não demorou muito tempo e os espanhóis que moravam em outras comunidades começaram a ficar enciumados com a prosperidade alcançada pelas reduções jesuíticas. As reduções haviam se estabelecido e se firmado como concorrentes comerciais dos mais fortes e atuantes. Além disso, estavam centralizando grandes contingentes de mão de obra indígena, que preferia ficar sob a guarda dos padres do que sob a chibata dos aventureiros-militares espanhóis. Esses, que se consideravam os verdadeiros súditos do Rei de Espanha, não se conformavam com essa situação e logo tomaram medidas drásticas a respeito.
            E o desfecho não poderia ser mais cruel. As reduções jesuíticas estavam, sem que os padres da Companhia de Jesus tivessem a menor desconfiança, com os anos contados. Entretanto, a ciumeira dos aventureiros espanhóis não foi nada quando comparada com a avidez portuguesa por aquelas terras e por escravos. Mas, como todos já devem saber, essa é outra história.
_________________

[1] Os jesuítas eram a mão de obra espiritual da Companhia de Jesus, fundada em 1534 por Santo Inácio de Loyola. Em poucos anos conquistou grande prestígio pelo sólido preparo cultural de seus membros, que ascenderam a posições de destaque no clero e nos conselhos de reis e príncipes. O Ordem representou a vanguarda religiosa em seu tempo, contando com privilégios especiais e grande independência da estrutura hierárquica católica, mas votando obediência total ao papa.











terça-feira, 4 de setembro de 2012


Oeste paranaense: uma história de
 portugueses, espanhóis e indígenas
José Augusto Colodel *
Parte I 

  Faz muito tempo mesmo!Foi lá pelo final do século XV quando os reinos de Espanha e Portugal resolveram dividir entre si os vastos domínios que haviam descoberto na América. Do acordo resultou o  Tratado de Tordesilhas, assinado em 7 de junho de 1494 na cidade espanhola de mesmo nome. Traçando uma linha imaginária de Norte a Sul da América pensavam, ingenuamente, resolver os problemas e desavenças diplomáticas que vinham tendo desde que colocaram os seus pés na América.
      Através desse meridiano coube à Espanha quase toda a região que atualmente é o território paranaense, incluindo naturalmente toda a Região Oeste. Assim, não é de estranhar que desde o início do século XVI os espanhóis resolveram levar a efeito suas primeiras viagens de exploração aos territórios que lhes pertenciam pelo Tratado de Tordesilhas.
      Já durante os primeiros meses de 1516 o aventureiro espanhol João de Solís penetrou no Estuário do Prata. Tendo desembarcado nas costas da atual República do Uruguai sofreu violento ataque indígena da nação Guarani. Não resistiu e ali mesmo morreu juntamente com a maioria dos soldados que compunham essa expedição pioneira. Os sobreviventes retornaram pelos domínios portugueses. O azar os perseguia e no litoral de Santa Catarina uma das caravelas que compunha a esquadra naufragou. Os náufragos tinham o comando de Aleixo Garcia e nos contatos que mantiveram com os indígenas tomaram conhecimento de um suposto império no oeste onde a prata era abundante. Em 1521 voltaram em busca desse império da prata!
      Para tanto, fizeram uso de uma antiga rede de caminhos indígenas [1], sendo o utilizado chamado de Peabiru.
      Percorrendo o Peabiru em penosa viagem Aleixo Garcia chegou aos Andes onde conseguiu amealhar porções de ouro e prata das tribos indígenas ali radicadas. Munidos de imensa fortuna empreendeu viagem de volta. Novamente os indígenas hostis estavam atentos e emboscaram a caravana matando muitos dos seus componentes, inclusive o seu comandante. Os remanescentes, carregando o fruto da pilhagem foram dar no litoral catarinense, de onde as façanhas da expedição de Aleixo Garcia e a notícia da existência de fabulosas riquezas se espalharam como fogo ao vento.   
      Um dos muitos que tiveram conhecimento dessas notícias foi Sebastião Caboto, outro aventureiro espanhol. Nessa época ele estava assentado no litoral de Pernambuco e não perdeu muito tempo em montar uma expedição que viesse até a agora conhecida região da Bacia do Prata. Obstinado, burlando a negativa de seus superiores, Caboto chegou ao litoral catarinense em 1527. Dali, comandando dois navios, rumou célere em direção ao rio da Prata. Na confluência desse rio com o Carcanhará fundou um porto que seria sua base para as futuras penetrações em direção às riquezas indígenas. A povoação ali estabelecida seria batizada com o nome de Sancti Spiritu. Essa importante base de operações seria anos mais tarde destruída pelos índios. De um modo geral as tentativas de Caboto em por as mãos na prata indígena fracassaram quase que inteiramente. Homem de métodos violentos, desde cedo foi hostilizado pelas tribos existentes na região e suas investidas tinham via de regra resultados desalentadores.
      Enquanto esses aventureiros espanhóis faziam as primeiras explorações e penetrações no território platino, os seus rivais portugueses não se mantiveram alheios ao que vinha acontecendo. Afinal, ouro e prata eram as riquezas que moviam o mundo conhecido e sustentavam a posição dos reinos metalistas de Portugal e Espanha.
      Já por volta de 1531 expedições de aventureiros portugueses iniciaram por conta própria sua corrida particular ao Prata, tendo como ponto de partida o rio Amazonas, o rio da Prata e também por longos e quase insuperáveis caminhos terrestres.
      Como não poderia deixar de ser as investidas portuguesas ao ocidente do Paraná começaram a preocupar as autoridades espanholas. É claro que elas não queriam dividir de maneira alguma os despojos em ouro e prata que poderia arrebanhar naqueles territórios que estavam sob sua jurisdição pelo Tratado de Tordesilhas.
      A alternativa encontrada para consolidar em definitivo a bandeira espanhola naqueles domínios foi a fundação de um aglomerado urbano que servisse como pólo comercial e centro irradiador para as expedições que para lá se deslocavam. Deveria servir também como um aquartelamento militar que oferecesse proteção segura aos súditos do Reino de Espanha. Deveria ficar bem claro aos ambiciosos portugueses que toda aquela porção do território americano estava firmemente em mãos espanholas. O tempo iria demonstrar que tal pretensão não resistiria ao ímpeto dos aventureiros portugueses.
      De Madri veio a ordem para que fosse organizada uma grande expedição ao Prata. A armada era comandada pelo mercenário Pedro de Mendonza. Sua especialidade eram o saque e a destruição. Fizera fama e fortuna na Europa, chegando a ganhar o título de Dom como recompensa pelos saques que cometera em terras italianas, notadamente em Roma.
      Pedro de Mendonza partiu da Espanha em 1535 e em 3 de fevereiro do ano seguinte concretizou a fundação de um porto o qual deliberou denominar de Nuestra Señora del Buen Aires, constituindo dessa maneira a base do primeiro Adelantado espanhol do Rio da Prata. Subindo esse rio fincou as bases de duas novas povoações: Corpus Christi e Nuestra Señora de Buena Esperanza. Iniciou-se assim a presença definitiva da gente espanhola em terras da Bacia do Prata.  Após ter fundado Buenos Aires, Pedro Mendonza achou por bem retornar à Espanha. Morreu na viagem de volta ficando como seu substituto João de Ayolas.
      A conquista das terras do Prata não aconteceu de maneira pacífica, embora os primeiros contatos entre as tropas de João Ayolas e os índios tivessem sido relativamente pacíficos. Os espanhóis logo abandonaram a política da boa vizinhança e passaram a investir brutalmente sobre as tribos indígenas, utilizando-se para tanto de métodos sanguinários. Aldeias eram completamente destruídas pela passagem dos espanhóis. Os homens eram assassinados e as mulheres violentadas. Nem mesmo as crianças eram poupadas. Os naturais da terra se revoltaram e passaram a combater desesperadamente os invasores de além mar. Não demorou muito para que todas as povoações fundadas pelos espanhóis sofressem o assédio belicoso dos indígenas. Muitos dos seus habitantes foram mortos e o restante teve que se abrigar em Buenos Aires. O próprio Ayolas foi vitimado pela violência que trouxe para a região. Foi emboscado e morto em terras paraguaias.
      Não querendo compartilhar da sorte de Ayolas, Domingos Martinez de Irala, seu companheiro e braço direito, fugiu desenfreadamente e fixou acampamento em Candelária, onde mais tarde foi encontrado por outras expedições. Essas expedições permaneceram em Candelária por algum tempo e depois rumaram para o Sul onde fundaram um novo acampamento, estrategicamente localizado num terreno que oferecia excelentes condições de defesa aos possíveis ataques indígenas. Esse acampamento recebeu mais e mais aventureiros, cresceu e deu origem à cidade de Assunção.
      Sob o comando de Irala, Assunção logo passou a exercer grande influência sobre o destino dos espanhóis que se concentravam no Prata.
      As qualidades administrativas de Irala logo se fizeram sentir. Enérgico, organizado e inflexível em suas decisões, deu início a todo um trabalho de melhorias nos núcleos urbanos que sobreviveram aos ataques indígenas: Buenos Aires, Corpus Cristi e Boa Esperança. Usando de métodos violentos logrou impor rígida disciplina. Consolidou na ponta da lança tanto a lei como a ordem espanholas. Com os poucos soldados que tinha sob o seu comando jamais teria conseguido atingir aos seus intentos. Para tanto, contou com a ajuda inestimável dos guerreiros da nação Guarani que a ele aliaram-se por estarem envolvidos em mais de uma das suas incontáveis guerras com as tribos vizinhas.
      Tendo conseguido firmar sua liderança frente ao restante dos aventureiros espanhóis voltou seus olhos ao que realmente lhe interessava, ou seja, a espoliação das riquezas indígenas e o eventual objetivo de povoamento de toda aquela região. O Adelantado do Rio da Prata tinha um novo comandante-supremo.
      Como nem tudo é o que se pretende, o destino reservou mudanças profundas na vida de Irala e elas tiveram origem na Corte espanhola. Acontece que o imperador Carlos V achou por bem designar um novo Adelantado para capitanear o governo de Assunção. A escolha do imperador recaiu sobre os ombros de um cavalheiro conhecido como Alvar Nuñez Cabeza de Vaca.
      Desejoso por conhecer seus futuros domínios e súditos, Cabeza de Vaca empreendeu viagem ao Rio da Prata. Corria o ano de 1541.

Iniciou a marcha a 18 de Outubro de 1541 [...] depois de dezenove dias de marcha por florestas e montanhas, chegaram às aldeias dos índios Guaranis [...] No dia 1º de Dezembro a expedição varou o Iguassú ou Água Grande e, dois dias depois, o Tibagi [...] levava, portanto, a caravana na direção Noroeste [...] resolveu, então, marchar para o Sul, chegando a 14 de Janeiro de 1542 às margens do Iguassú [...] poucos dias depois chegavam à Foz do iguassú, atravessando o rio Paraná, auxiliado pelos Guaranis [...] no dia 11 de Março de 1542 entrou em Assunção após uma peregrinação de seis meses (FIGUEIREDO, 1937, p.68-70).  

      O temperamento de Cabeza de Vaca era completamente diferente do de Irala. Chegando a Assunção resguardou-se em indolência e cercou-se de um “luxo que é incompatível com a vida de Assunção e se descuidando no trato com os indígenas” (CHMYZ, 1976, p. 68).
      Foi somente no ano seguinte que decidiu fazer uma incursão à Serra do Prata. Quem deveria comandar essa expedição era Irala mas Cabeza de Vaca não o deseja. Confronto de interesses e ciúmes reinaram em Assunção a partir desse episódio. Ao retornar, em 1544, Cabeza de Vaca é obrigado a enfrentar um articulado motim popular que o destitui das suas funções administrativas e políticas como Adelantado. Escorraçado de Assunção foi obrigado a juntar suas malas e voltar para a Espanha. Certo foi que a partida de Cabeza de Vaca não bastou para acalmar os ânimos em Assunção. Partidários de Irala e Cabeza de Vaca passaram a admoestar-se na defesa dos interesses de seus chefes. O conflito derrubou por terra as conquistas administrativas e políticas de Irala. Quem se saiu bem nessa história foram os indígenas que na luta por sobreviver procuravam se unir a um grupo ou outro, na esperança de tirar um pouco de benefício da situação.
      Enquanto estava no poder Irala levou adiante seu projeto de subir o rio Paraná até o Tietê. O povoamento gradual da margem esquerda do Paraná era benéfico aos interesses espanhóis na medida em que ampliava os seus domínios.
       Não se esquecia em nenhum momento que os portugueses procuravam chegar ao Prata partindo do litoral atlântico por caminhos terrestres. Já os espanhóis procuravam o caminho inverso já que a porção oriental da América encontrava-se sob jurisdição portuguesa.
      Tendo atingido a porção setentrional do rio Paraná Irala determinou ao seu comandado Garcia Rodrigues de Vergara que por ali fundasse um núcleo urbano. Serviria ele de ponta-de-lança para as futuras penetrações pelos sertões circunvizinhos. O núcleo de Ontiveros nasceu na margem do rio Paraná com essa função no ano de 1554. Entretanto, ele teve vida curta e logo foi abandonado.
      Foi em 1556 que o próprio Irala incumbiu ao capitão Ruy Diaz Melgarejo da fundação de outro vilarejo espanhol naquela região. Essa comunidade recebeu o nome de Ciudad Real, sendo que os seus primeiros habitantes foram uma centena de espanhóis deslocados de Assunção (SILVEIRA NETTO, 1914, p. 93).
      Diferentemente do que ocorreu com Ontiveros, Ciudad Real logrou progredir. Ali foi incentivado o plantio de gêneros alimentícios diversificados, a criação de alguns animais e a exploração da erva-mate nativa, que chegou a ser comercializada anos mais tarde com algumas reduções jesuíticas do Rio Grande do Sul. Parece que a procura de metais preciosos não foi coroada de sucesso.
      Mas quem podia esquecer-se do ouro e da prata! Foi sempre procurando esses metais e estando sempre atentos aos rumores que denunciavam a sua presença que os espanhóis seguiam em frente. A Leste de Ciudad Real fundaram outro núcleo populacional o qual chamaram de Vila Rica do Espírito Santo. O ano de sua fundação ainda é incerto, mas deve ter sido entre 1570 e 1576.
      Na segunda parte desta viagem ao passado uma outra história não menos interessante e não menos importante para os destinos desta Região.



* Os textos (postagens) a seguir (partes I, II e III) foram publicados originalmente pelo autor sob o título Cinco séculos de história. In: PERIS, A.F (org.).Mesorregião Oeste do Paraná: diagnósticos e perspectivas.  Cascavel : Editora da Universidade Oeste do Paraná, 2002.

[1] Partindo da Capitania de São Vicente, em São Paulo, essa vasta rede de caminhos que possuía uma direção geral Leste-Oeste, atravessava todo o território paranaense indo dar no rio Paraná na altura da foz do rio Piquiri. Saindo do atual território brasileiro, ele cortava o Chaco paraguaio até chegar aos planaltos peruanos e dali ao Oceano Índico.

REFERÊNCIAS

CHMYZ, Igor.  Arqueologia e história da vida espanhola de Ciudad Real do Guairá. Cadernos de Arqueologia.  Curitiba, ano I, n. 1 : UFPr, 1976.

FIGUEIREDO, L. Oeste paranaense.  São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1937.

NETTO, Silveira. Do Guayra aos Saltos do Iguassú. Curitiba: Tip. Do Diário Oficial, 1914. 70 p.



terça-feira, 31 de julho de 2012


Uma voltinha por Santa Helena em dezembro de 1971

 A novidade era a luz da Copel


José Augusto Colodel


     No ano de 1971 o Brasil ainda vivia sob  a égide do "milagre econômico", encabeçado pelo super ministro da fazenda Antonio Delfin Neto. Brasil do tipo "esse é um país que vai pra frente" - que era o trechinho de uma música propalada pela ditadura e elites conservadoras. Nas prisões espalhadas pelo país o "pau comia solto" nas sessões de tortura contra supostos comunistas e subversivos. A seleção  era  tri-campeã e o Pelé já pensava em se aposentar do escrete canarinho. No Paraná do café quem governava era Haroldo Leon Peres. Político nomeado pelo regime e que teve o mandato cassado em novembro e substituído por Pedro Viriato Parigot de Souza. Lá em Washington, na Casa Branca, o presidente Emílio Médici, em conversa com o colega americano Richard Nixon, afirmava solene que "estava trabalhando" para derrubar o governo do socialista chileno Salvador Allende, o que aconteceria efetivamente em setembro de 1973. 
      E no Oeste paranaense, pelas ruas da cidade de Santa Helena o comentário entre os moradores era um só: - Está quase na hora de abandonar o bom e velho lampião!
    Afinal de contas Santa Helena crescia num ritmo estonteante e as necessidades da nova e próspera cidadezinha assim o exigiam.
     E esse era um sonho antigo que finalmente se concretizava, mesmo porque já no início de 1971 o pessoal da Copel havia iniciado estudos no sentido de que a rede de energia elétrica chegasse até o perímetro urbano. A promessa era a de que no mais tardar até o final daquele ano a luz chegaria – e, pasmem, não é que ela chegou!
     A solenidade de inauguração ocorreu dia 27 de dezembro nas dependências da antiga Prefeitura, ali na Avenida Brasil, e foi uma beleza. População reunida, políticos,bajuladores de todas as tonalidades, autoridades e tudo o que era de praxe. Com o Arnaldo Weisheimer afastado coube ao vice-prefeito eleito Orlando Webber representar o município e assinar a papelada. Como não podia deixar de ser o Legislativo Municipal se fez presente em peso tendo à frente o presidente José Biesdorf, acompanhado pelos vereadores Ernesto Abrelino Thomé, Agílio de Oliveira, Primo Colombelli, Arcy João Panassolo, Walter Edgar Galle, Vitalino Joaquim Soares, Arthur Schlitler e pelo secretário executivo Hugo Afonso Scher.  
     A luz elétrica era uma realidade. Um verdadeiro divisor de águas. A partir daqueles postes fincados pela Copel no canteiro central da Avenida Brasil muita coisa mudou e Santa Helena nunca mais foi a mesma. A história que o diga!
Dia de festa no centro da cidade -
a antiga Praça Antonio Thomé serve de estacionamento.

      Diante da revelação desse acontecimento de tamanhas repercussões futuras, floresceu a idéia de darmos um breve passeio, olhando com o devido distanciamento histórico, algumas coisas e pessoas que faziam e aconteciam naquela Santa Helena de 1971.
     O município, instalado oficialmente em 1968, era ainda novinho, novinho em folha, mas a população já ultrapassava os 27 mil habitantes.
     As terras colocadas à venda pela Imobiliária Agrícola Madalozzo, sediada em Erechim, eram compradas a torto e a direito. Quase não passava um dia sem que chegasse gente de mudança. Famílias à procura de um futuro promissor e  aventureiros de boa ou má índole palmilhavam com olhos gordos as terras férteis da fronteira.
     Existiam 3.500 propriedades agrícolas e mais de 500 casas na sede municipal. A base da economia era a agricultura, começando timidamente a ganhar ares de mecanização e a pecuária, principalmente de leite. Além dessas, davam os ares da graça riquezas passageiras e bem vindas tais como o café e o hortelã.
     Na área educacional funcionava o Graciliano Ramos, 8 escolas estaduais, 57 municipais, duas particulares e um jardim de infância. A população professava seis religiões, com três paróquias e setenta capelas.O interior era grande barbaridade!
     Nos meios sociais a beleza da mulher local se destacava com a estudante Edna Sanches, fã do Moacir Franco, signo de escorpião e eleita Rainha da Rádio Nacional de São Paulo, pela cidade de Santa Helena.
     Doente? Tenha calma. Quem precisasse de remédio de dia ou de noite ia até a Farmácia São José, que tinha até filial em Moreninha. Se não quisesse então que fosse até a Farmácia Paraná, do Manoel Casarotto, que oferecia à clientela medicamentos dos melhores laboratórios e perfumaria em geral.
     Os viajantes eram bem recepcionados no Turis Hotel, de propriedade do Peri Backer, solidamente construído na Avenida Brasil e que oferecia como comodidades bar e churrascaria anexos, além de boas camas com colchão de molas. Um requinte só. Já o La Paloma Hotel disputava a farta clientela dispondo de bar, restaurante e dormitório, alardeando um ambiente seleto e acolhedor. Bem frequentado também era o bar, hotel e restaurante Simeoni, comandado pelo Rizzieri Simeoni. Seu lema: "servindo bem para servir sempre!". E em se falando de bar e churrascaria tinha ainda a do Aquelino Paludo.
      Para os motoristas locais e viajantes o abastecimento de gasolina e óleo diesel ficava por conta do Posto Ipiranga, onde também funcionava a Mecânica Santa Helena, especializada nos misteres dos mais diversos motores e solda elétrica em geral.  Tinha ainda o Posto Esso e o pioneiro Posto Fockink, do saudoso Normindo.
     Mas quem quisesse andar alinhado tinha que ir é na Alfaiataria Elite. Ali, o Alcides Sbardelotto passava os dias confeccionando ternos para casamento e passeio. Além disso ele forrava botões e tinha a mão certa para o feitio de calças esporte.
     De portas abertas também estava a Comercial Allegretti Ltda. A família, que havia chegado em 1962, mexia com quase tudo, contando com um amplo estoque de secos e molhados, ferragens, tecidos, armarinhos, motores, motos-serra, etecétera e tal.
Antiga Rodoviária, defronte ao Hotel Simioni.

     Na Avenida Brasil também estava instalada a tradicional Loja Tupinambá, do tão conhecido Portelinha, vendendo a precinhos camaradas tecidos e confecções de alta qualidade. Como dizia a propaganda mesmo?  “Venham todos e aproveitem pois este é o endereço certo para uma boa compra”.
     E no futebol que riu por último foi a Sociedade Esportiva Palmeiras, legítima campeão de 1971, tendo como presidente o Calixto Pratti.
     Algumas coisas e pessoas que no longínquo e saudoso 1971 faziam a história de Santa Helena. Algumas delas ainda estão por aí e continuam a fazê-la. 1971, um ano em que o lampião cedeu espaço para a luz elétrica, deixando na penumbra, mas não esquecido, um tempo que não volta mais.