As alturas não me
perturbam, não se preocupe!
O
dia que Santos Dumont desafiou a morte e criou o Parque
Nacional do Iguaçu!
Verão
de 1916. O mundo encontra-se em transe. Na Europa a fina flor da juventude é sistematicamente
imolada nas trincheiras e nos sangrentos campos de batalha da Primeira Grande
Guerra. É somente o segundo ano do horrendo conflito, que se prolongará
incontrolável até 1918, quando ceifará milhões de vidas e redefinirá o panorama político mundial.
![]() |
Alberto Santos Dumont (1873 -1932) |
Convenhamos, para
matar, o homem não mediu esforços durante milênios. Genialidade e criatividade
enveredam pelos caminhos da destruição premeditada e dentre os novos
equipamentos militares usados pelos exércitos em guerra destaca-se a invenção do aeroplano. O avião revela-se aos olhos do mundo como uma revolucionária e mortífera arma, para
desgosto de seu inventor.
Distante,
mas atento a esses trágicos acontecimentos europeus um homem: Alberto Santos Dumont.
Desiludido com os rumos tomados pelo seu invento percorre o Brasil em viagem
de férias. Anos mais tarde, em 1932, cada vez mais atormentado e depressivo cometerá suicídio em sua casa em Guarujá. Uma perda para a humanidade.
Chegando
ao Oeste paranaense Santos Dumont resolve se hospedar num confortável hotel
existente em Puerto
Aguirre , à margem do rio Iguaçu, no lado Argentino. O porto
em questão fora construído em 1901 pela empresa madeireira Vitória Aguirre e
tem a finalidade de facilitar o desembarque de turistas que desejassem
visitar os Saltos de Santa Maria. Para tanto, do porto até os saltos foi aberta uma boa
estrada de rodagem.
![]() |
Santos Dumont, um mês antes do suicídio, em 1932. |
A
bem da verdade vale dizer que foram os argentinos os primeiros a vislumbrarem as
inegáveis possibilidades turísticas das cataratas. Já no final do século XIX
faziam propaganda dos saltos Europa afora, atraindo os primeiros turistas.
Funcionou tão bem o merchandising castelhano
que já no início da década de 1920 se falava em temporada de turismo nas
cataratas do Iguaçu! Dá para acreditar!
Informados da ilustre visita, os poucos brasileiros residentes na vila de Foz do Iguaçu
formam comitiva e convidam Santos Dumont a hospedar-se em terras brasileiras.
O pioneiro aeronauta aceita de pronto e acomoda-se onde é hoje o Hotel das
Cataratas. O local escolhido fora construído por Frederico Engel, em 1915. Além
desse, o alemão também era dono do Hotel Brasil, o primeiro de Foz, também de
1915.
Ao
ser levado às cataratas, Santos Dumont não se contém diante de tamanha
magnitude e beleza oferecidas pela natureza. Com arrojo que lhe era próprio subiu num tronco caído e fica longo tempo contemplando o cenário, empoleirado no mirante
improvisado, diretamente do salto Floriano, enquanto a comitiva prende a respiração preocupada, na expectativa do tombo eminente e da morte certa.
Num dado momento questiona a quem
pertenciam as terras vizinhas e é informado que são de um argentino
chamado Dom Jesus Val. Na verdade, dizem, ele é o proprietário das Cataratas
do Iguaçu, lado brasileiro! Tudo legal, pois lhe foi concedido o lote número 9 da ex-colônia militar de Foz do Iguaçu.
Indignado,
Santos Dumont, num arroubo nacionalista, resolve intervir. Dias depois decide viajar até Curitiba, via Guarapuava, em lombo de animal. Na Capital
vai imediatamente ao encontro do Presidente do Estado, Afonso Alves de Camargo, e
apela veementemente. Valeu a pena! Em 28 de julho de 1916 é baixado o
Decreto nº. 653, o qual declara de utilidade pública o lote número 9 e ainda
os 1.008 hectares
na margem direita do Iguaçu, junto às cataratas de Santa Maria, com o objetivo
de ali instalar-se futuramente um parque e povoação.
A
respeito da área escolhida e que se tornaria a base territorial do Parque
Nacional do Iguaçu, algumas informações.
Historicamente,
durante a primeira metade do século XVII, ela foi cenário das missões jesuítas
para a catequese dos Tupi-Guaranis, posteriormente os bandeirantes
paulistas expulsaram os jesuítas espanhóis, permanecendo assim sob o domínio de
Portugal toda a região.
![]() |
Santos Dumont quando de sua visita a Curitiba.
À esquerda Afonso Alves de Camargo.
|
André
Rebouças, engenheiro do Império, já em 1876 sugeriu a criação de um
Parque Nacional que contemplasse desde as Sete Quedas do Paraná até as
Cataratas do Iguaçu, abrigando uma grande e importante área de florestas
do Oeste paranaense.
Em 1930, um outro decreto estadual ampliou a
área desapropriada e repassou-a ao governo federal com o objetivo expresso de
transformá-la em
Parque Nacional. Baseado neste decreto o presidente Getúlio
Vargas, em 1939, criou o Parque Nacional do Iguaçu, com 3.300 hectares – o
parque argentino já havia sido criado em 1934. Porém, em 1944 o parque foi
ampliado, abrangendo praticamente os limites atuais, os quais foram
estabelecidos em definitivo pelo Decreto nº. 86.676, em dezembro de 1981.
Em
novembro de 1986 O Parque Nacional do Iguaçu foi incluído pela Unesco na
"lista dos Patrimônios Naturais da Humanidade".
E
pensar que tudo começou com uma pergunta banal!