quinta-feira, 3 de maio de 2012


 Companhia Paranaense de Colonização Espéria:
Italianos da gema na fronteira oeste.

Parte 2

           Em 1912 foi extinta a Colônia Militar de Foz do Iguaçu, passando a região a integrar o território de Guarapuava. Já a criação do município de Foz do Iguaçu ocorreu em 1914, pela Lei Estadual nº. 383, no território onde anteriormente existia a referida Colônia Militar.
           A bem da verdade deve ser dito que as benesses governamentais começaram ainda no alvorecer do século XX com a promulgação do Decreto nº 4, de 16 de março de 1901. Esse dispositivo permitiu ao governo paranaense alienar enormes extensões de terras devolutas, situadas nos vales dos rios Piquiri, Paraná e Iguaçu, entregando-as aos obrageros ingleses e argentinos.
           Tais concessões encontravam respaldo na Constituição Federal de 1891, a qual em seu artigo 64 explicitava que os estados podiam gerir autonomamente em seus territórios sobre minas e terras devolutas. O caminho estava aberto para as negociações e negociatas que viriam acontecer nos anos seguintes.
           Deu no que deu. O governo Estadual fez concessões ou simplesmente vendeu enormes glebas de terras a baixos preços, sem levar em conta a nacionalidade do comprador.
           A condição imposta pelos mandatários do poder executivo paranaense para os ervateiros atuar na região era de no mínimo dar início a algum núcleo de povoamento e a construção de picadas, geralmente ligando os portos situados no médio e alto curso do rio Paraná em direção a algum ponto no interior das florestas. O povoamento da região estava em pauta, mas era quase que letra morta.

No entanto, a Constituição de 1891, no artigo 2 discrimina as terras públicas de responsabilidade da esfera Federal: “Caberia á união somente a porção do território  que for indispensável para as defesas das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais” (Constituição de 1891). Desta forma, ficam inventariadas as terras de domínio Federal e as de competência Estadual. Assim, o governo paranaense, em conformidade com a Lei Estadual de nº 68, de 20 de dezembro de 1892, e, combinado com o Decreto Estadual 1-A, de 08 de abril de 1893, passam a iniciar os trabalhos de cadastramento das terras devolutas existentes em seu território, sobretudo as situadas em regiões cobertas por florestas no interior com objetivos explícitos de iniciar a colonização oficial e/ou empresarial em regiões despovoadas do interior paranaense (YOKOO, 2011, p.2).

           Impõe-se salientar um aspecto importante nessa questão tão abrangente, que é das concessões de terras devolutas (devolvidas). Acontece que o governo estadual no período posterior à Proclamação da República não possuía recursos financeiros para dotar as regiões fronteiriças de qualquer infraestrutura mínima necessária. Não tinha dinheiro para a execução das obras públicas indispensáveis (estradas, ferrovias, pontes, etc.), mas tinha grandes áreas de terras. E terra é e era dinheiro em caixa. O governo achava que ganhava com o negócio, mas os obrageros ganhavam mais, pois com a exploração predatória das nossas reservas vegetais, ricas e abundantes, garantiam enormes lucros.
           E a nossa floresta tropical e subtropical estava repleta de pinheiros, cedro, cabriúva, ipê rosa, amarelo, óleo pardo, entre outros de menor valor comercial. Isso tudo sem contar que haviam pontos densamente ocupados por ervais nativos.
           E muita gente se interessou nas terras devolutas disponíveis – leia-se empresas estrangeiras. Das obrages legais, ou seja, das mais de uma dezena que adquiriram terras do governo paranaense, incluíam-se as de Domingos Barthe, Nuñez y Gibaja, Julio Tomás Alica, Compañia de Maderas del Alto Paraná, Petry e Meyer & Azambuja, dentre outras.
           Pois é, o Oeste paranaense era mesmo um mundo de obrages e obrageros. E teria continuado assim se não fosse seu território caminho e pouso para as tropas revolucionárias paulistas e gaúchas em 1924/1925. Contingente militar que mais tarde, unido, ficou conhecido mundialmente como “Coluna Prestes”. Isso foi após sua extraordinária peregrinação, concluída em 1927 na Bolívia, tendo percorrido mais de 30 mil quilômetros.
           Passou a Coluna com grande repercussão e no ar o alerta de abandono da região. Alerta feito e ouvido pelos mandatários advindos com a chamada Revolução de 1930. Com Getúlio Vargas, gaúchos no poder. Pregou-se a nacionalização da fronteira, insistiu-se na “Marcha para o Oeste”, falou-se de povoamento efetivo e na criação de colônias e loteamentos. No final das contas muito se disse e muito pouco se fez durante a década de 1930 até meados da seguinte. Nesse intervalo temporal a Segunda Guerra Mundial e suas repercussões.
           Seria injusto dizer que o governo Vargas foi omisso quanto à presença obragera no Oeste do Paraná. Na verdade não foi.

Getúlio Vargas, logo após assumir o governo, pela Revolução de 1930, com amplo apoio dos militares, muitos deles tendo participado nos combates à Coluna Prestes e outros do movimento tenentista, conhecendo a situação das fronteiras brasileiras no Oeste do Paraná, assinou o Decreto 19.842, de 12 de dezembro de 1930, que adotava medidas drásticas do ponto de vista nacionalista. Este decreto exigia que as empresas tivessem, em seus quadros de empregados, no mínimo, dois terços de trabalhadores brasileiros (SPERANÇA, 1992, p.194), dificultando o ingresso e a permanência de estrangeiros, no caso paraguaios e argentinos, nas terras brasileiras e impondo novas dificuldades às empresas estrangeiras (GREGORY, 2002, p.91).


      No Paraná, o interventor General Mário Alves Monteiro Tourinho (1871-1964), nascido em Antonina e revolucionário de primeira hora, foi colocado à testa do governo estadual por Getúlio. Como interventor federal resolveu tomar medidas imediatas no sentido de “nacionalizar” a fronteira oeste.

           Mário Tourinho ficou no poder menos de um ano, sendo substituído em 1931 por Manoel Ribas, o famoso Maneco Facão, que permaneceu no comando das coisas paranaenses até 1945. E a saída repentina do general Tourinho deu-se principalmente em razão do mesmo ter mandado baixar, sem a anuência do poderoso Getúlio Vargas, o tão famoso Decreto nº. 300, o qual procurava sanar a problemática questão envolvendo a concessão de terras no Oeste do Paraná.

[...] este decreto [...] retirava de forma drástica gigantescas extensões de terras eu haviam sido tituladas a grupos econômicos, inclusive estrangeiros, envolvidos sobretudo na construção da estrada de ferro São Paulo - Rio Grande (WACHOWICZ, 1982, p.145).
          
           Retomadas as terras desviadas, por força do Decreto 300, o interventor Mario Tourinho editou o Decreto 800, estabelecendo que doravante as áreas consideradas devolutas só pudessem ser adquiridas a título de compra “pelos que nela se comprometessem a morar a estabelecer cultura efetiva”. Pelo mesmo Decreto 800, o interventor define a colonização como processo básico de acesso à terra,que passaria a ser executado pelo próprio Estado e em parceria iniciativa privada (SERRA, 2009, p.5)
           Nos anos anteriores à revolução, tentando timidamente fomentar o povoamento, o governo estadual autorizou a entrada de algumas companhias de colonização estrangeiras. Estavam instaladas legalmente desde a década de 1920. Exemplo disso foi a Companhia Paranaense de Colonização Espéria Ltda., presente na região de Santa Helena desde o ano de 1926.
           Todavia, a movimentação fundiária que levou a Companhia Espéria adquirir suas glebas de terras remonta alguns anos antes, senão vejamos.
           Pelas Leis nº 1.147, de 26 de março de 1912, e pela Lei nº 1642, de 05 de maio de 1916, o Governo do Estado do Paraná garantiu a título de concessão a José Petry, Hans Meyer, Alberto Meyer e Antonio Bittencourt de Azambuja, 50.000 hectares de terras devolutas para cada um ao preço de 4$500 o hectare. Essas terras estavam localizadas próximas nas proximidades da atual cidade de Santa Helena.
           Esses empresários se articulam rapidamente – se é que não haviam se reunido antes, o que é bem provável - e semanas depois criam a empresa Petry, Meyer & Azambuja, apoiados em empréstimos feitos junto ao Banco Francês-Italiano (WACHOWICZ, 1987, p. 156).

Deste modo, esta sociedade recebe do governo o título provisório das terras de forma unificada em 200.000 hectares. Em 27 de abril de 1920 é admitido na sociedade o cidadão Roberto Stüber, que incorpora aos domínios territoriais da sociedade de mais 50.000 hectares, concessão de terras para colonização, adquirida do governo paranaense. Assim, a empresa passa a controlar 246.100 hectares, já deduzida a faixa de terrenos de domínio da marinha à margem do rio Paraná. Desse modo, com a entrada do novo sócio é alterada a razão social da empresa que passa a denominar: Meyer, Annes & Cia, com sede em Curitiba (WACHOWICZ, 1987, p. 160).

              A área foi então demarcada e subdividida em 628 lotes, medindo cada um deles em torno de 25 hectares. A área total para fins de colonização foi de 15.700 hectares.
           Feito isso o passo seguinte foi no sentido de arregimentar diversos corretores de terras e iniciar a comercialização desses lotes. A preferência foi dada para colonos de origem italiana e descendentes radicados no interior de São Paulo. Gente que estava descontente com os resquícios do sistema de parceria ainda vigentes naquele Estado.
Continua ...