sexta-feira, 7 de dezembro de 2012


Uma história 
de bandeirantes e de escravos
José Augusto Colodel
Parte  final

      No Brasil Colônia, sob o domínio lusitano, a carência de mão de obra se fazia sentir nas grandes propriedades rurais paulistas. Aqui quem trabalhava de sol a sol eram os escravos provenientes de mama África, mas a sua remessa não era suficiente para as demandas locais, embora o tráfico estivesse funcionando regularmente. Além de chegarem ao Brasil em números insuficientes iam se tornando cada vez mais caros em função da famosa lei da oferta e da procura. 
Moenda  em fazenda paulista do século XVII.
        Sendo assim, o que fazer? Solução encontrada: escravizar os indígenas que podiam ser aprisionados em território inicialmente controlado pela Coroa portuguesa. E foi o que fizeram. Mas também os escravos indígenas logo rarearam e a falta de braços para a lavoura começou a pesar cada vez mais. O negócio foi passar por cima da linha imaginária conhecida como Meridiano de Tordesilhas e lançar mão aos milhares de índios que habitavam toda a porção ocidental do atual território do brasileiro – com o Oeste paranaense incluído, é óbvio.
      Como a necessidade é a mãe de todas as atitudes, já nos primeiros anos do século XVII bandeirantes [1] oriundos de terras de São Vicente (São Paulo) internaram-se nos domínios espanhóis com o firme propósito de aprisionar os indígenas que encontrassem para depois vendê-los aos fazendeiros paulistas. No mercado de escravos o preço obtido por cada índio capturado era ótimo e compensava todos os riscos enfrentados por essas expedições de pilhagem.
      A notícia da presença de aventureiros portugueses na região da Província do Guairá caiu como um raio entre as comunidades espanholas. Mais temerosos ainda ficaram os missionários da Companhia de Jesus, responsáveis pelas reduções. As queixas espanholas desaprovando essas invasões territoriais eram cada vez mais veementes. O Governo da Capitania de São Paulo respondia que também as desaprovava mas que por falta de recursos materiais e humanos não podia fazer muita coisa. Na verdade, as autoridades paulistas davam total apoio às expedições bandeirantes. Os interesses comerciais e políticos falavam bem mais alto do que a obediência de meras formalidades diplomáticas expostas num tratado que tinha tudo para ser descumprido.
     E os portugueses em vez de refrear seu ímpeto pela captura de mão de obra escrava aumentam-no cada vez mais. Como se não bastasse escravizar os indígenas que viviam espalhados pelas tribos no Guairá também começaram a atacar de modo sistemático e impiedoso as reduções jesuíticas estabelecidas naquela região. Saliente-se que o ataque a essas reduções revestia-se de uma enorme vantagem aos portugueses na medida em que os indígenas ali aldeados já haviam sido completamente domesticados pelos jesuítas, constituindo-se numa farta reserva de mão de obra previamente disciplinada.

Os jesuítas, atacados violentamente pelas expedições portuguesas e não contando com o apoio integral dos espanhóis que ali habitavam, viram suas Reduções serem devastadas num ritmo incrivelmente veloz. Comandadas pelo bandeirante Antonio Raposo Tavares, as expedições portuguesas lograram destruir todas as Reduções do Guairá no espaço de tempo de apenas quatro anos! De 1629 a 1632(COLODEL, 1988, p. 33).

       E foi a ferro e sangue! Dos quarenta mil índios aldeados na Província do Guairá, restavam somente doze mil em 1631!  
     Diante das investidas portuguesas, as reduções jamais foram restauradas e os indígenas que delas sobreviveram fugiram ou foram transferidos pelos jesuítas cada vez mais para o interior. Contingentes  atravessaram o rio Iguaçu e chegaram ao território paraguaio onde fundaram uma comunidade de nome Vila Rica.
     Durante o êxodo dos jesuítas pelos rios Paranapanema e Paraná até a região do Paraná-Uruguai, constantes também foram os ataques perpetrados pelos próprios espanhóis que se aproveitaram da oportunidade para arrebanhar alguns índios e reduzi-los à escravidão. Dos aldeamentos existentes somente os de Santo Inácio Mini e Nossa Senhora de Loreto conseguiram escapar ilesos dessa tragédia, por se situarem na região mais setentrional das terras paranaenses.
Acampamento bandeirante
     A violência se espalhou pois as investidas portuguesas não se resumiram aos ataques às reduções jesuíticas. Povoações espanholas também não conseguiram escapar à sua fúria. Tanto que Vila Rica e Ciudad Real tiveram que ser abandonadas em 1632 após terem sido assediadas pelas expedições militares paulistas.
    Essa rotina de saques e destruição somente chegou a termo lá por volta de 1641 quando os remanescentes jesuítas e indígenas organizam-se e derrotam a Bandeira de Jerônimo Pedroso de Barros e Manuel Pires, junto ao rio Mbororé. Após mais de meio século os paulistas conheceram o sabor amargo da derrota. Porém, essa vitória isolada em nada contribuiu para reverter uma situação que se impunha como nova.
     O aparecimento inesperado das bandeiras paulistas na porção ocidental do território paranaense teve como contrapartida o surgimento de novos delineamentos políticos e econômicos em toda essa imensa região, até então controlada exclusivamente pelos interesses espanhóis. Agindo de maneira tempestuosa e destruidora as Bandeiras serviram como fator decisivo para a desarticulação e rompimento da expansão espanhola rumo ao Oceano Atlântico – expansão que tinha como ponta-de-lança as reduções jesuíticas. Sendo obrigados a abandonar toda a região compreendida pela margem esquerda do rio Paraná os espanhóis deixaram o caminho livre para que se estabelecesse o uti possidetis português naquelas paragens ainda diplomaticamente pertencentes ao Reino de Espanha.
      A presença portuguesa por toda essa região foi se impondo com os anos. O Meridiano de Tordesilhas há muito ultrapassado e foi perdendo sua magnitude delimitatória. Finalmente, em 1750 foi celebrado o Tratado de Madri, o qual confirmou diplomaticamente as novas fronteiras entre os domínios espanhóis e portugueses. O Oeste paranaense foi ratificado como português, sendo o rio Paraná a fronteira natural com as possessões espanholas.
      Com a destruição das reduções jesuíticas e demais povoações espanholas no Guairá, a margem esquerda do Paraná viu-se num estado de quase completo abandono. Afinal de contas os portugueses tinham interesses nos indígenas que podiam escravizar e esses abandonaram aquela área. Assim, deserta e sem atrativos econômicos ou políticos ficou esquecida por mais de uma centena de anos.
       E assim foi até a chegada do século XIX.  Porém, agora não seriam mais as pedras e metais preciosos ou o preamento de indígenas a serem escravizados os fatores que atrairiam novos interesses para o Oeste paranaense. Novos produtos estavam em destaque comercial. A erva-mate e a madeira eram o binômio econômico que despertava a cobiça de novos aventureiros.
Ataque bandeirante
      E seriam novamente os espanhóis e seus descendentes os responsáveis pelo processo de exploração econômica dessas novas riquezas vegetais. Só que o retorno desses aventureiros ao Oeste paranaense se daria de maneira muito mais organizada e durante um vasto espaço temporal exerceriam completo controle político e econômico em todas as esferas de interesses representativas. Para tanto, muitas vezes contariam com a impotência e incompetência administrativas das autoridades governamentais brasileiras, seja pelo abandono ou pela adoção de uma política de colonização equivocada.
         Seja como for, a presença estrangeira no Oeste paranaense teria como conseqüência a estruturação de um universo social típico, com formas de exploração e dominação específicas, alicerçadas no mandonismo local e tendo como pólo irradiador verdadeiros impérios agrários – as obrages!


[1] Responsável pela incorporação de cerca de dois terços do atual território nacional à Coroa portuguesa, o bandeirantismo pode ser dividido, em linhas gerais, em duas fases: até meados do século XVII, as expedições bandeirantes dirigiram-se ao Sul à cata de indígenas  para serem escravizados; daí para frente seu interesse maior foi a busca de metais e pedras preciosas.

REFERÊNCIAS

COLODEL, José Augusto.  Obrages & companhias colonizadoras: Santa Helena na história do Oeste paranaense até 1960.  Cascavel : Assoeste, 1988.