sexta-feira, 18 de maio de 2012


Companhia Paranaense de Colonização Espéria:
italianos da gema na fronteira oeste.

Parte final

           No Oeste do Paraná a falta de vias de comunicação adequadas com o citado projeto colonizador somada com a falta de uma mínima infraestrutura indispensável ao recebimento de colonos teve o seu preço. Um fracasso total! Tanto que em 1921 somente tinham sido atraídas 18 famílias de colonos do interior paulista.
              Não deu para aguentar tamanho déficit financeiro e os sócios em comum acordo decidiram abrir falência naquele mesmo ano. De acordo com EMER (1991), a massa falida foi vendida com a aquiescência do governo Estadual para a empresa Allegretti & Cia Ltda., com sede em Bento Gonçalves (RS). A Allegretti adquiriu 15.700 hectares em que já haviam sido demarcadas 628 colônias, tendo em vista vender estas colônias remanescentes aos colonos de origem italiana das regiões de Bento Gonçalves, Veranópolis, Cachoeira e Marau.

O governo paranaense estabeleceu o ano de 1936 como prazo final para a Allegretti colonizar estas terras. No entanto, as dificuldades de atração de colonos para esta região persistiram. A presença entre os anos de 1924 e 1925, dos revoltosos da Coluna Prestes, entre outras dificuldades na região, não efetivam a colonização permanente. Um novo prazo de seis anos para efetuar a colonização foi renegociado entre a colonizadora e o governo Estadual, e, mesmo assim não conseguiu atrair colonos com algum capital para adquirir as referidas terras. Desse modo, em função às dificuldades de colonização, o governo do Estado retomou os domínios das terras remanescentes (EMER, 1991, p. 70).

           A área disponível era imensa. Tanto o era que uma outra parte foi vendida para André Zílio e para a Industrial, Agrícola e Pastoril do Oeste de São Paulo, por 200$000 o hectare. Nesta transação imobiliária em pouco mais de cinco anos conseguiu extraordinário lucro de 5.555%. O concessionário anterior havia adquirido por 4$500 o hectare e a revenda da mesma terra ocorreu por 250$000, o hectare (WACHOWICZ, 1987, p. 160).
              A movimentação e a especulação fundiárias continuaram e não demorou muito para que a Companhia Espéria entrasse em cena. No ano de 1926 a Industrial Agrícola e Pastoril Oeste de São Paulo revendeu para a essa empresa 130 mil hectares.
           A Companhia Paranaense de Colonização Espéria foi constituída no ano de 1926, tendo com sede a cidade de São Paulo, sito à Rua Quinze de Novembro, 27. Seus principais acionistas naquela época eram Arturo Apollinari, Mário Silvio Polacco, Ezio Martinelli, Raul Machado e Domenico di Mattina, dentre outros. Anos mais tarde, como a Espéria não encontrou fôlego para saldar suas dívidas teve que entregar seu patrimônio a duas instituições financeiras. Em 1936 seus principais acionistas eram o Instituto Nazionali di Credito per Il Lavoro Italiano all’ Estero S.A., com sede na cidade de Roma e o Banco Francês e Italiano para a América do Sul, sediado em São Paulo.
           Até então, sob sua tutela dezenas de famílias de imigrantes italianos vieram para o Oeste paranaense, cuja sede era o Porto Sol de Maio, inaugurado em 1928.
           No Paraná o contrato da Espéria com o governo estadual deveria prolongar-se inicialmente até 1929, quando deveriam estar firmadas as bases de seu projeto colonizador. Nesse período, como quase nada tivesse sido feito pela empresa ela solicitou e conseguiu uma prorrogação de prazo até 1937.
           Nesse meio tempo veio a Revolução de 1930 e a Espéria perdeu seu direito de concessão.

Em função do Decreto nº 1.678, de 7 de julho de 1934, o governo paranaense considerou anulada a concessão de terras e, em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, o governo de Getúlio Vargas promulgou o Decreto nº 4.166, incorporando todos os bens da colonizadora, com o argumento de que esta empresa pertencia ao Instituto Nacionale di Credito per Lavoro Italiano All`Estero, ligado à capitais de origem italiana. Com o término do conflito da Segunda Guerra, e, decorrido alguns anos, os bens dos súditos do eixo foram devolvidos, e esta colonizadora continuou com as vendas das colônias restantes, uma vez que ao final da década de 1940, a frente pioneira gaúcha se aproximava dessa região (WACHOWICZ, 1987, p. 161).

           Como os trâmites fossem demorados ela conseguiu manter-se na região ainda por mais alguns anos. Recorreu da decisão paranaense junto ao governo federal e enquanto se aguardava a decisão judicial ficou de posse de todos os seus bens.
           Até 1937, quando se instalou como ditador no chamado Estado Novo, Getúlio contemporizou com as elites políticas paranaenses. Receava magoá-las, precisava ainda de seu apoio. Naquele ano, todavia, viu-se suficientemente forte para fazer inserir o artigo 165 na Constituição Federal, o qual criava uma faixa de fronteira de 150 quilômetros de largura. Nessa faixa os Governos Estaduais ficavam proibidos de fazer quaisquer investimentos ou projetos colonizadores sem prévia autorização do Governo Federal. É claro que o Oeste paranaense ficava dentro do perímetro da faixa de fronteira recém-criada. Nos anos que se seguiram o Paraná interrompeu por completo seus projetos colonizadores enquanto no Rio de Janeiro se preparava a legislação ordinária que definiria o povoamento da faixa de fronteira. Dentre outros dispositivos legais, criou-se oficialmente o Território Federal do Iguaçu, em 13 de setembro de 1943. A capital seria Foz do Iguaçu e mais tarde Laranjeiras do Sul. O Território Federal do Iguaçu permaneceria em vigência até que foi extinto por uma emenda inserida na Constituição de 1946. É bom lembrarmos que Getúlio Vargas foi afastado do poder em 1945, quando foi derrotado nas eleições presidenciais por Eurico Gaspar Dutra.
No plano político até a entrada do Brasil na segunda Guerra Mundial, ao lado dos aliados, em 1942, o fato é que Getúlio nutria simpatias ao Eixo. Vivia-se o Estado Novo (1937-1945), nascido com a descoberta do “Plano Cohen” e o desbarate da pseudo Intentona Comunista. E, sabe como é, ditador e ditaduras veem-se como cúmplices não importa a distância. Com a marcha da guerra pendendo para os aliados Getúlio resolveu mudar de lado, sendo ajudado em sua decisão pelo afundamento de navios brasileiros por submarinos alemães. O simpatizante virou inimigo declarado – e essa mudança de conveniências não deixou de ter repercussões aqui no Oeste do Paraná.
                   Em guerra contra o Eixo o governo Vargas baixou uma lei determinando que todos os imigrantes de origem italiana, japonesa e alemã que não falassem a língua portuguesa fossem retirados a uma distância de 100 quilômetros da fronteira. Essa lei também determinou que imigrantes fossem retirados da faixa litorânea e ficassem pelo menos 100 quilômetros de distância do mar, por medida de segurança na­­cional. Somente em 1955 a faixa de fronteira seria estendida para 150 quilômetros.
           Vale dizer que a existência constitucional da área de fronteira remonta a 1850, quando a Lei Imperial n. 601, a “Lei de Terras”, surgiu com o objetivo de regularizar a situação das terras públicas, evitar abusos no apossamento e legitimar as ocupações, definindo as terras devolutas e proibindo a sua aquisição por outro título que não seja o de compra, estipulando uma exceção na faixa de fronteira, onde seriam concedidas gratuitamente para uma colonização mais rápida. Aparece aí, pela primeira vez, uma referência à faixa de fronteira que foi delimitada em 10 léguas (66 quilômetros).
           Mais ainda. O Decreto n. 1.318, de 30 de janeiro de 1854, ao regulamentar a referida lei, determinou em seu artigo 82 que “Dentro da zona de dez léguas contíguas aos limites do império com países estrangeiros, e em terras devolutas, que o governo pretende povoar, estabelecer-se-hão Colônias Militares”.
           Resumindo: de 1850 a 1934, a "faixa de fronteira" era de 10 léguas ou 66 quilômetros (Le Imperial n. 601 de 1850), e as "terras devolutas", situadas nessa extensão eram da União; de 1934 a 1937, a "faixa de fronteira" passou a ser de 100 quilômetros (Constituição de 1934), e as "terras devolutas", na faixa de 66 quilômetros continuaram a pertencer à União, e as localizadas na faixa de 66 a 100quilômetros pertenciam aos Estados; de 1937 até hoje, a "faixa de fronteira" foi ampliada para 150 quilômetros (Constituição de 1937, mantida pela Constituição de 1988), sendo que as"terras devolutas" situadas na faixa de 66 quilômetros (no período de 1934 a 1946 pertenciam à União, e as localizadas entre 66 e 150 quilômetros pertenciam aos Estados), e as localizadas em toda essa faixa de 150 quilômetros, desde 1946 até hoje, pertencem à União.
           Voltemos a meados do século XX, ao Oeste paranaense. As medidas visando a retirada de colonos estrangeiros da faixa de fronteira atingiram em cheio os italianos que haviam se fixado no projeto colonizador da Companhia Espéria, localizado no território de Santa Helena. E como não poderia deixar de ser a família Cinecatti sofreria na pele o que de ruim estava por vir.
           Mas não parou por aí. Getúlio foi mais longe. Ordenou ainda que fossem criadas “áreas de concentração” [1] onde deveriam permanecer essas populações “perigosas”. O medo era de que esses colonos imigrantes fossem “quinta colunas”, colaboradores ou simpatizantes do Eixo. Para o governo possíveis atos de sabotagem, dentre outras ações, tinham que ser evitados a todo custo. Quem não falasse o português tinha que sair da região e muitas famílias, italianas principalmente, tiveram que sair à força.

Eles mandaram desocupar aqui [Santa Helena], os estrangeiros, os italianos puros né, porque estavam na fronteira e tinham medo de uma revolta na fronteira. Achavam que os nossos pais iam de repente se revoltar contra os brasileiros. Então pegaram tudo que era italiano legítimo, levaram tudo embora.
Teve muita gente que apanhou que nem boi na roça porque chegaram aqui três, quatro polícia brasileira e mandaram os nossos pais falar em brasileiro e eles não sabiam. Então diziam os policiais: -“fala em brasileiro!” – Mas eu não sei! Tapa na cara! Deram prazo de 24 horas pra falar em brasileiro (GALLO, Armando, depoimento, 1987).

           A responsabilidade por tais arbitrariedades pode ser atribuída aos militares aquartelados na Companhia Independente de Fronteira, criada em 1932 em Foz do Iguaçu. Em 1943, após da entrada do Brasil na guerra, o número de soldados aumentou consideravelmente e a companhia foi transformada no Primeiro Batalhão de Fronteira.
           Para policiar toda a região foram montados pequenos destacamentos militares que subiam o Paranazão, parando de porto em porto. Agindo muitas vezes com violência desmedida e absolutamente desnecessária esses destacamentos criaram um clima de medo e insegurança entre os supostos “súditos do eixo” que residiam na região marginal ao grande rio.
           E se a coisa estava feia, ficou pior. Não demorou muito para que os colonos imigrantes fossem informados que teriam que abandonar suas terras. Assim, de chofre! Seriam transferidos para Foz do Iguaçu e não tinha conversa! Dali para onde ninguém informava.
           Em Santa Helena a família Cinecatti foi surpreendida com a chegada soldados do exército. Não vieram somente em sua propriedade, batiam de porta em porta, ninguém era deixado de lado.
           A ordem era uma só: juntar todos os colonos “italianos” e concentrá-los no porto Sol de Maio. Dali deveriam aguardar o próximo vapor com destino a Foz do Iguaçu. Muitos se rebelaram, alegando que não tinham condições de embarcar tão somente com as roupas do corpo. Precisavam de mais tempo para arrumar suas coisas, saldar suas dívidas, vender suas criações e os produtos excedentes de suas lavouras. O exército consentiu em dar-lhes um pequeno prazo de dez dias, mas manteve-os sob vigilância.

Aquilo que puderam levar levaram; aquilo que puderam vender venderam; aquilo que puderam pagar pagaram; inclusive muitos não puderam terminar de pagar as terras para a Companhia Espéria (THOMÉ, Izalino, depoimento, 1986).

           Assim, cumprindo determinação do Ministério da Guerra, os colonos imigrantes que não dominavam a língua portuguesa foram reunidos na cidade de Foz do Iguaçu para depois seguirem viagem para os locais onde deveriam permanecer enquanto durassem as hostilidades na Europa.
           Francesco ficou assustado com o que acontecia. Era homem feito, já acostumado com as duras lidas da roça. Perdera a mãe, vítima de malária, há quatro anos e o pai havia se casado  novamente.
           Impotente, ficava a observar seu pai correr de um lado para outro, perdido, sem saber o que fazer. A terra ainda não estava paga. Tinham milho plantado, mas ainda não estava no ponto de ser colhido. E o que dizer das poucas galinhas, alguns porcos, duas vacas leiteiras e até cachorro, o que iriam fazer? Tinham que vender, mas vender para quem? Só em Foz ou Guaíra poderiam achar algum comprador, mas a viagem era longa e curto era o tempo que tinham antes de irem embora. A solução foi entregar tudo aos cuidados de um amigo da família, brasileiro. E foi o que fizeram.
            Desnecessário dizer que entre toda aquela gente reinava tremenda insatisfação, misturada com receios variados do que viria pela frente. Muitas eram as dúvidas. Para onde iriam? Como ficariam suas propriedades e todos os seus bens que ficaram para trás, em Santa Helena e região. Anos de trabalho duro, dificuldades diárias e de isolamento seriam simplesmente descartados? Quem os defenderia? Eram perguntas que naquele momento não tinham resposta. No mínimo teriam que esperar a guerra acabar e ela parecia que ainda iria demorar muito tempo, mesmo porque em 1942 o Eixo ainda se encontrava militarmente em vantagem em todas as frentes de batalha.
           As autoridades getulistas não haviam perdido tempo e as áreas de concentração haviam sido previamente escolhidas pelo governo e estavam localizadas nos territórios dos atuais municípios de Pitanga e Manoel Ribas, na região central do Paraná, logicamente distantes mais de 100 quilômetros da faixa de fronteira.

[...] levaram 30 dias e 30 noites de Foz do Iguaçu a Pitanga [...] eles foram de carroça de boi, comendo apepu e pinhão, dormiam debaixo da carroça (GALLO, entrevista gravada, 1987).

           A saída forçada dos colonos italianos de Santa Helena teve sérias consequências para a Companhia Espéria. Praticamente tudo que existia em seu projeto colonizador foi abandonado, entregue à própria sorte. O porto Sol de Maio virou um lugar fantasma. Suas instalações, entregues aos sabores do tempo, foram se deteriorando com o passar dos meses. Pela colônia adentro o mesmo acontecia com as casas dos colonos, suas lavouras e equipamentos.

Então, isso ficou tudo abandonado, aquelas lavouras, casas. Todo mundo era contrário com o que aconteceu, mas ninguém se manifestava porque estavam numa situação tão ruim, tão delicada, que ninguém podia se manifestar (THOMÉ, entrevista gravada, 1987).
          
           Imperava a lei do silêncio. Os meses foram passando e nenhuma notícia sobre os colonos italianos que foram para Pitanga ou Manoel Ribas chegava na região. Em Foz do Iguaçu, no Batalhão de Fronteira, pouco se falava a respeito. O exército informava tão somente que eles estavam todos juntos e estavam sendo muito bem tratados. Diziam ainda que tão logo terminasse a guerra eles retornariam.
           O que ficou bem claro é que a retirada dos colonos da área de fronteira foi seguida de outras medidas levadas a efeito também contra os descendentes de italianos que se encontravam estabelecidos no Oeste paranaense. Pessoas que mesmo falando fluentemente o português, cujos pais haviam emigrado para o Brasil desde o final do século XIX não tiveram vida fácil naqueles anos de guerra mundial.
           Eram tidos como suspeitos e recebiam vigilância constante das autoridades policiais. Não podiam comunicar-se tão somente em português e, é claro, não podiam receber visitas de amigos ou familiares que foram transferidos da área de fronteira. Além disso, quanto tivessem a necessidade de se ausentar de seus locais de moradia tinham necessariamente que comunicar o fato ao destacamento sediado em Santa Helena, sob pena de serem presos.

Os policiais espionavam, perseguiam, porque dentro de casa a linguagem era estrangeira [...] foram muito perseguidos por causa disso (GALLO, entrevista gravada, 1987).

           Mesmo os cultos religiosos tinham que ser celebrados em português e nos bailes ou outras manifestações festivas familiares ou da comunidade não era permitido tocar ou cantar músicas italianas. O cerco era completo.
           A vigilância aos que ficaram ganhava reforço com a participação de delatores, residentes na região. Gente que não tinha escrúpulos em entregar seus próprios vizinhos. Assim agiam motivados pelos mais variados interesses, desde um pseudo-nacionalismo, vingança ou algum interesse pecuniário qualquer.
           A ideia central era refrear todo tipo de manifestação cultural que não fosse genuinamente nacional. As tentativas de nacionalização da fronteira ocidental pretendida e colocadas em prática desde a revolução de1930 e a “Marcha para o Oeste” atingiram, com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, o seu ponto culminante (COLODEL, 1988, p.213). O tema sempre batido da segurança nacional era agora caso de polícia.
           Foram anos difíceis aqueles.
           A Companhia Espéria estava com a sua concessão revogada desde 1934. Havia entrado na justiça e o processo ainda não havia sido julgado, mas chances de sair vitoriosa nesse embate jurídico eram remotas. Em agosto de 1942 veio a declaração de guerra contra o Eixo e os colonos italianos que haviam se fixado em suas terras foram obrigados a deixar a região. As dívidas por eles contraídas com a compra de terras não estavam sendo quitadas e provavelmente nunca o seriam. Os lucros com os armazéns em Porto Sol de Maio e Santa Helena caíram lá embaixo pela falta de clientela. A fiscalização alfandegária havia se tornado muito mais rigorosa e as remessas contrabandeadas de madeira e erva-mate via rio Paraná cessaram em quase sua totalidade. Finalmente, como golpe de misericórdia, aconteceu que para saldar suas dívidas a companhia havia vendido seu patrimônio e milhares de ações foram emitidas a preço ilusório. Quase certo que a Espéria nunca mais se ergueria.
           Após seis anos de conflito encerrou em 1945 aquela que foi a maior guerra da história da humanidade. Os países do Eixo foram absolutamente derrotados e praticamente destruídos.
           E os colonos italianos voltaram? O que aconteceu com eles? A historiografia regional ainda não realizou pesquisas mais aprofundadas a esse respeito. Sabe-se pelos depoimentos colhidos que uma parte deles voltou, após mais de dois anos de ausência. Outros acharam por bem nunca mais retornar, achando por bem recomeçar a vida em outro lugar. Uma parcela fixou residência em Pitanga ou Manoel Ribas, outros se mudaram para Santa Catariana, para São Paulo, para Curitiba ou mesmo para a Argentina.
           Após o término da Segunda Guerra Mundial o Governo Federal determinou a liberação dos bens apreendidos da Companhia Espéria. A empresa retornou à legalidade e reiniciou a venda de lotes no Oeste paranaense para cidadãos brasileiros.
           Como o governo do Estado do Paraná havia apreendido judicialmente todos os bens da companhia houve com essa nova comercialização de ações, um debate que passou a se desenvolver no campo da legitimidade do direito aplicado. O futuro da companhia seria decidido nos tribunais.

Tomaram parte nessas discussões o Governo do Estado, o Governo Federal e os n ovos proprietários das ações da Espéria. Em não se concretizando um acordo entre as partes, deliberou-se que o caso fosse levado à resolução do Supremo Tribunal Federal, no Rio de Janeiro. A decisão dessa instância superior, que procurou resguardar o direito de propriedade dos acionistas, teve como consequência o acirramento das dissensões entre o Governo do Estado e a Espéria. O caso permaneceu sob pendência até a década de 1950, quando foi definitivamente resolvido com a saída da Companhia Espéria que transacionou com o estado o restante dos seus títulos de propriedade (COLODEL, 1988, p. 209).


           Antoni Cinecatti, sua mulher Rosa, Francesco e seus quatro irmãos voltaram para Santa Helena. Fizeram a viagem para Foz do Iguaçu embarcados num caminhão Ford com mais duas famílias. Viagem desconfortável, longa, cheia de ansiedade e reflexões. Em Santa Helena, assim como outros, encontraram a propriedade e a lavoura completamente abandonadas. O cenário era desolador. Anos que se perderam. A guerra não havia sido boa para o lugarejo e nem a boa recepção oferecida pelos vizinhos e amigos foi suficiente para lhes garantir ânimo novo. Não se entregaram de pronto, retornaram à luta, mas lá no fundo bem sabiam que o sonho de fazer a vida no Oeste do Paraná havia sido desfeito aquela tarde quando foram embarcados com destino a Foz do Iguaçu e depois Pitanga. Antoni se culpava por ter se fiado na conversa daquele corretor de imóveis da Companhia Espéria, mas não podia voltar ao passado para mudar o presente.
           Nos dias seguintes tentaram reaver os animais que haviam deixado. Mais uma decepção. O tal amigo fora embora há mais de um ano e antes de partir vendera os animais para um comerciante de Foz do Iguaçu. O comentário era o de que ele retonara para São Paulo, mas ninguém sabia ao certo. Foi demais.
           Reunião de família e a decisão de recomeçar, novamente recomeçar. Mas onde?
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REFERÊNCIAS

COLODEL, José Augusto. Obrages & companhias colonizadoras. Santa Helena na história do Oeste paranaense até 1960. Cascavel, Assoeste, 1988.

YOKOO, Edson Noriyuki. Gênese do processo de apropriação das terras, o caso das companhias ferroviárias e dos ervateiros no Oeste paranaense. Ponta Grossa, Fundação Araucária, 2010.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro, Lisboa: Difel e Bertrand Brasil, 1989.

ALBUQUERQUE JÚNIOR. A Invenção do Nordeste e outras artes. 1. ed. São Paulo/Recife: Cortez/Massangana, 1999. v. 2000. 340 p.

SERRA, Elpídio. Processos de ocupação e a luta pela terra agrícola no Paraná. Rio Claro : UNESP, 1991. Tese de Doutoramento



[1] Pelo Brasil afora, a partir de 1942, aproximadamente 3 mil pessoas de origem alemã, italiana e japonesa foram encarceradas em dez campos de concentração. Eis sua localização: Daltro Filho, no Rio Grande do Sul; Trindade, em Santa Catariana; Presídio de Curitiba, no Paraná; Guaratinguetá, Pirassununga, Pindamonhangaba e Ribeirão Preto, em São Paulo; Pouso Alegre, em Minas Gerais, Niterói, no Rio de Janeiro, Chã de Estevam, em Pernambuco e, finalmente, Tomé-Açu, no Pará.
Importante que se diga que esse período da história brasileira nunca foi incluso nos livros didáticos porque, até 1996, era confidencial. O governo permitia apenas o acesso parcial aos dados. Os arquivos oficiais foram lacrados sob uma lei que proibia consultas ou pesquisas por 50 anos. Em 1988, o prazo foi diminuído para 30 anos.
Muitas outras medidas de cerceamento à liberdade foram tomadas contra os estrangeiros que imigraram ao Brasil. A proibição de rádios, máquinas fotográficas, livros e falar o italiano, o alemão e o japonês era comum e sua desobediência considerada criminosa.
Tais campos de internamento foram criados de forma variada nos Estados brasileiros. Em colônias penais agrícolas, em asilos, em hospitais e cadeias. Os imigrantes tiveram variadas formas de aprisionamento. A legislação da época era estabelecida pelos próprios Estados, diante de suas possibilidades carcerárias.