quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012


Quando o patrimônio histórico é vítima
de pretensa modernidade!...

... ou uma nova história construída com tijolos à vista.

Prédio do Fórum passando por "restauração".
     Na semana passada voltava para casa pela Avenida Paraná e ao passar defronte ao prédio que abrigou por muitos anos o Fórum da Comarca de Santa Helena deparei-me com algo que me chamou atenção e, confesso, me deixou consternado: a cena de operários trabalhando a todo vapor sob o sol quente de final de tarde. O que vi era um sobe e desce de gente derrubando paredes, retirando janelas, arrancando portas, quebrando telhados, etc. 
     Vi também a ferida maior que se abria com a destruição da grande e soberana parede de pedra em tom amarelo. Era nela que se lia em imponentes caracteres feitos em aço: “Fórum da Comarca de Santa Helena”.
    Fiquei ali parado por alguns minutos, chocado enquanto cidadão, estupefato e atônito enquanto historiador! Em minha frente descortinava-se o antigo prédio do Fórum, uma das primeiras e mais importantes obras públicas da cidade de Santa Helena, construído inaugurado em 1975 e conferindo um novo status ao jovem município.
Prédio do antigo Fórum, construído em 1975.
Ali, diante de mim a carcaça em agonia. Outro patrimônio histórico* do Município de Santa Helena que sofria com a descabida e unilateral intervenção da prefeitura municipal - responsável direta pela sua custódia e proteção enquanto bem público.
 Infelizmente a cena, embora desagradável, era repetitiva. História que se reavivava como tragédia. Antes do Fórum os alvos predados foram antigo prédio que abrigava a prefeitura e o Cine Remonti, só para ficarmos nos exemplos mais pungentes. Ressalte-se que a Câmara de Vereadores também sofreu com as mexidas “modernistas” que recebeu durante a década de 1990.
Antigo prédio da Prefeitura Municipal.
      Agora chegou a vez do prédio do Fórum. Qual moribundo respira em agonia a mais recente vítima da faina desenfreada de um projeto impensado de substituição do que é caracterizado como velho - e daí entendido como inútil – por algo que é julgado como moderno, portanto necessário. Lamentável processo de desconstrução da história à base de marretadas, picaretadas e picaretagens.
     Há bem da verdade que se diga que já há alguns anos o vetusto prédio encontrava-se quase que em completo abandono, após a construção do Fórum que está hoje sediado na comercial Avenida Brasil. Já o antigo Fórum, “velhinho”, serviu durante algum tempo para isso, outro tempo para aquilo e no frigir dos ovos acabou “encostado”, pois a ele não se encontrou utilidade – ou não se procurou verdadeiramente.
Instalações atuais da Prefeitura Municipal
       Fico pensando cá com meus botões: que bom seria se ele abrigasse em prédio próprio a nossa biblioteca pública! Depois de restaurado é claro! Mas são raríssimos aqueles que integram a classe política que valorizam e investem na cultura, mesmo porque parece não haver interesse em dar um maior acesso cultural ao cidadão. Cultura gera consciência, discernimento sobre o que é certo ou errado e aí é que reside o problema.
            Nada contra os profissionais que estão executando a obra - pedreiros e carpinteiros. Também que fique absolutamente claro: não discuto a utilidade e funcionalidade futuras a serem dadas ao prédio do Fórum. Elas podem ser nobres, bem intencionadas, mas não vêm ao caso neste momento. Discuto e questiono a maneira como está sendo tratado o nosso já dilapidado patrimônio histórico.
     Então, como a lei não permite a demolição pura e simples do patrimônio público, o negócio é estuprá-lo sem mais ou menos. Essa parece ser a política cultural vigente em Santa Helena! Sem pedir ou ouvir a opinião de ninguém se decide pôr abaixo o que a geração presente herdou de legado cultural das gerações passadas.
     E assim, no lugar da história passada erguem-se paredes feitas com tijolos à vista. Construções sem alma ou afeto, talvez de acordo com o íntimo de seus autores.
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*A definição mais antiga e tradicional de patrimônio histórico referia-se ao patrimônio material, que engloba construções, obeliscos, esculturas, acervos documentais e museológicos, além e outros itens das belas-artes. Atualmente temos o chamado patrimônio imaterial, que abrange regiões, paisagens, comidas e bebidas típicas, danças, manifestações religiosas e festividades tradicionais. 


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012


As alturas não me perturbam, não se preocupe!
O dia que Santos Dumont desafiou a morte e criou o Parque Nacional do Iguaçu!


     Verão de 1916. O mundo encontra-se em transe. Na Europa a fina flor da juventude é sistematicamente imolada nas trincheiras e nos sangrentos campos de batalha da Primeira Grande Guerra. É somente o segundo ano do horrendo conflito, que se prolongará incontrolável até 1918, quando ceifará milhões de vidas e redefinirá o panorama político mundial.
Alberto Santos Dumont (1873 -1932)
     Convenhamos, para matar, o homem não mediu esforços durante milênios. Genialidade e criatividade enveredam pelos caminhos da destruição premeditada e dentre os novos equipamentos militares usados pelos exércitos em guerra destaca-se a invenção do aeroplano. O avião revela-se aos olhos do mundo como uma revolucionária e mortífera arma, para desgosto de seu inventor.
     Distante, mas atento a esses trágicos acontecimentos europeus um homem: Alberto Santos Dumont. Desiludido  com os rumos tomados pelo seu invento percorre o Brasil em viagem de férias. Anos mais tarde, em 1932, cada vez mais atormentado e depressivo cometerá suicídio em sua casa em Guarujá. Uma perda para a humanidade.
    Chegando ao Oeste paranaense Santos Dumont resolve se hospedar num confortável hotel existente em Puerto Aguirre, à margem do rio Iguaçu, no lado Argentino. O porto em questão fora construído em 1901 pela empresa madeireira Vitória Aguirre e tem a finalidade de facilitar o desembarque de turistas que desejassem visitar os Saltos de Santa Maria. Para tanto, do porto até os saltos foi aberta uma boa estrada de rodagem.
Santos Dumont, um mês antes do suicídio, em 1932.
       A bem da verdade vale dizer que foram os argentinos os primeiros a vislumbrarem as inegáveis possibilidades turísticas das cataratas. Já no final do século XIX faziam propaganda dos saltos Europa afora, atraindo os primeiros turistas. Funcionou tão bem o merchandising castelhano que já no início da década de 1920 se falava em temporada de turismo nas cataratas do Iguaçu! Dá para acreditar!
      Informados da ilustre visita, os poucos brasileiros residentes na vila de Foz do Iguaçu formam comitiva e convidam Santos Dumont a hospedar-se em terras brasileiras. O pioneiro aeronauta aceita de pronto e acomoda-se onde é hoje o Hotel das Cataratas. O local escolhido fora construído por Frederico Engel, em 1915. Além desse, o alemão também era dono do Hotel Brasil, o primeiro de Foz, também de 1915.
      Ao ser levado às cataratas, Santos Dumont não se contém diante de tamanha magnitude e beleza oferecidas pela natureza. Com arrojo que lhe era próprio subiu num tronco caído e fica longo tempo contemplando o cenário, empoleirado no mirante improvisado, diretamente do salto Floriano, enquanto a comitiva prende a respiração preocupada, na expectativa do tombo eminente e da morte certa.
       Num dado momento questiona a quem pertenciam as terras vizinhas e é informado que são de um argentino chamado Dom Jesus Val. Na verdade, dizem, ele  é o proprietário das Cataratas do Iguaçu, lado brasileiro! Tudo legal, pois lhe foi concedido o lote número 9 da ex-colônia militar de Foz do Iguaçu.
       Indignado, Santos Dumont, num arroubo nacionalista, resolve intervir. Dias depois decide viajar até Curitiba, via Guarapuava, em lombo de animal. Na Capital vai imediatamente ao encontro do Presidente do Estado, Afonso Alves de Camargo, e apela veementemente. Valeu a pena! Em 28 de julho de 1916 é baixado o Decreto nº. 653, o qual declara de utilidade pública o lote número 9 e ainda os 1.008 hectares na margem direita do Iguaçu, junto às cataratas de Santa Maria, com o objetivo de ali instalar-se futuramente um parque e povoação.
       A respeito da área escolhida e que se tornaria a base territorial do Parque Nacional do Iguaçu, algumas informações.
          Historicamente, durante a primeira metade do século XVII, ela foi cenário das missões jesuítas para a catequese dos Tupi-Guaranis, posteriormente os  bandeirantes paulistas expulsaram os jesuítas espanhóis, permanecendo assim sob o domínio de Portugal toda a região.
Santos Dumont quando de sua visita a Curitiba.
À esquerda Afonso Alves de Camargo.
          André Rebouças, engenheiro do Império, já em 1876 sugeriu a criação de um  Parque Nacional que contemplasse desde as Sete Quedas do Paraná até as Cataratas do Iguaçu, abrigando uma grande e importante área de florestas do Oeste paranaense.
           Em 1930, um outro decreto estadual ampliou a área desapropriada e repassou-a ao governo federal com o objetivo expresso de transformá-la em Parque Nacional. Baseado neste decreto o presidente Getúlio Vargas, em 1939, criou o Parque Nacional do Iguaçu, com 3.300 hectares – o parque argentino já havia sido criado em 1934. Porém, em 1944 o parque foi ampliado, abrangendo praticamente os limites atuais, os quais foram estabelecidos em definitivo pelo Decreto nº. 86.676, em dezembro de 1981.
          Em novembro de 1986 O Parque Nacional do Iguaçu foi  incluído pela Unesco na "lista dos Patrimônios Naturais da Humanidade".
          E pensar que tudo começou com uma pergunta banal!