segunda-feira, 27 de maio de 2013

E NÃO É QUE O TEMPO PASSOU! 
E PODIA SER DIFERENTE!?
Santa Helena 46 anos

José Augusto Colodel

Foi-se o tempo em que pela Avenida Brasil passava boi, passava boiada. Passava também a porcada, capitaneada pelo "frenteiro", treinado para seguir uma espiga de milho, apetitosa à frente do focinho. Longo desfile de suínos que seguiam, passo lento e ressabiado para Ponta Grossa. A avenida era puro chão, chão puro, poeirento ou enlameado conforme os caprichos do tempo! E pelos lados da rua a turma a espiar o cortejo mal-cheiroso. Ninguém dava muita bola para o "perfume", mesmo porque dizia-se que porco tinha cheiro de dinheiro!
Pela Avenida passava boi, passava boiada.

Por uma razão ou outras eles acreditaram.

Também foi-se o tempo do desfile de jipes aos sábados de manhã, das compras mensais e semanais nas poucas e tradicionais casas comerciais. O fiado ainda valia, como também valia a palavra de homem, afiançada no fio de bigode! Nas lojas e empórios comprava-se querosene,  fumo em corda, aguardente, brim, chapéus, tecidos em metro, munição, botinas, cordas e ferramentas, e assim ia.

Das comunidades espalhadas pelo interior do município pipocavam ônibus superlotados, num vai e vem pra cima e pra baixo. E não estou querendo dizer que a zona rural era "fraquinha", desabitada. Muito pelo contrário, gente era o que não faltava, dando animação à Vila Celeste, Sub-Sede, Correia Porto, Santa Helena Velha, São Clemente, etecétera e tal. Foi o Lago de Itaipu em 1982 quem acabou com a festa, deixando Santa Helena com cerca de 70%do seu território original.

Santa Helena, o município propriamente dito, criado e emancipado, tem 46 anos de vida, algo em torno de duas gerações. Contudo, as raízes são muito mais profundas. E elas vão longe, mas para não cavarmos muito nesses labirintos da história vamos nos fixar inicialmente no início do século XX, quando nas proximidades da margem esquerda do rio Paraná se fixaram as primeiras famílias de colonos. Era o núcleo populacional de Santa Helena Velha. Lugar antigo, testemunha ocular da passagem das tropas revolucionárias de Prestes na região, em 1924-1925. Aliás, foi ali que a Coluna, com Prestes no comando, iniciou suas peripécias Brasil afora, até o final da épica jornada na Bolívia, em 1927.

Foi-se o Paranazão, com seus vapores e jangadas.
Santa Helena Velha reinou inconteste até o início da década de 1950 quando a Imobiliária Agrícola Madalozzo criou os núcleos de Santa Helena (nova) e Sub-Sede São Francisco. Aliás, a imobiliária tinha experiência, pois já tinha investido e criado o atual município de Planaltina. E com a Madalozzo, seus terrenos, chácaras e colônias, a migração explodiu. Milhares e milhares de famílias aventuraram-se e fincaram os pés no Oeste paranaense e em Santa Helena durante as décadas de 1950 a 1970, mudando completamente a paisagem natural, demográfica, social e econômica desta região.

Foi-se também o Saltinho e seus piqueniques de final de semana.

E o tempo passava, continua passando, carregando consigo sua historicidade, suas contradições e sua processualidade. O município criado em 1967 encolheu em 1982 com a Binacional. A agricultura do tipo familiar integrou-se de corpo e alma ao ditames do mercado nacional e internacional, da grande produção. As economias, guardadas no velho cofre de algum comerciante de confiança,  ficaram para trás, obsoletas. O Banco do Brasil aportou sem rodeios, cheio de vitalidade, voraz, arauto do moderno sistema financeiro. Com ele ou junto com ele vieram a destoca, a  mecanização e o plantio intensivo do soja e do milho. As madeireiras viraram laminadoras. O trigo, bonito de se ver, amarelinho ouro  ao sabor dos ventos, durou até o final da década de 1980. Ele também foi - dizem que o clima não ajuda. Foi também o hortelã, cujo óleo era vendido a "peso de ouro" nas década de 1960 e 1970.

A Santa Helena (nova) em meio à mata.

Daí então a chuva passou a encharcar o asfalto e pela Avenida Brasil já não passa boi, não passa boiada. Também não passa a porcada. Ficou o cheiro, o cheiro da poeira, da brisa da mata, da terra molhada e da porcada que tinha cheiro de dinheiro! 



















OESTE PARANAENSE:

CONJUNTURA POLÍTICA, 
FUNDIÁRIA, COLONIZATÓRIA ENFIM.

2ª. Parte

José Augusto Colodel



Tomando a dianteira e procurando esvaziar o argumento federal de que a região encontrava-se abandonada o governo paranaense, além de nomear Othon Mäeder Prefeito de Foz do Iguaçu, determinou que todos os documentos oficiais, anúncios comerciais e avisos fossem escritos e publicados em língua portuguesa. Mais ainda, as repartições públicas deveriam fazer circular e cobrar todos os tributos que lhe eram devidos unicamente a moeda brasileira. Além disso, providenciou-se para que as repartições públicas e outros segmentos da sociedade organizada das comunidades de Foz do Iguaçu e Guaíra recebessem jornais de Curitiba, deixando-as informadas do que acontecia no Paraná e no Brasil. É dessa época a primeira tentativa de transformar Foz do Iguaçu em um centro turístico internacional.[1]

O Governo Federal pensava além. Também queria nacionalizar a imensa Região Oeste. Todavia, entendia ser necessário e fundamental aos seus intentos que o seu efetivo povoamento fosse uma realidade, que as iniciativas não ficassem somente no papel, tal qual letra morta. Dessa vontade é que nasceu a política governamental denominada de Marcha para o Oeste. Em tese uma maré povoadora que, partindo do litoral já ocupado, penetraria nos sertões brasileiros através de estradas de ferro e hidrovias a serem construídas. Um plágio tupiniquim do que fizeram os norte-americanos a partir de meados do século XIX em seu far-west.

Nessa ideologia de neo-povoamento, que se pretendia como revolucionária, retirou-se do baú da história o bandeirantismo, enquanto movimento fomentador da expansão e reconquista territoriais. A reintrodução histórica de uma camada de novos povoadores, tais como como foram os bandeirantes paulistas do século XVII. Mais de duzentos anos depois avançariam inexoravelmente rumo às fronteiras oestinas, retirando-as do domínio estrangeiro.Novamente os usurpadores dos domínios da pátria são encontrados entre os espanhóis e seus descendentes. E para a revolução vitoriosa de Vargas esses usurpadores são encontrados principalmente entre os obrageros.

Wachowicz (1982) em seu tão conhecido "Obrageros, mensus e colonos",  relata que o Governo Federal não demorou para tomar as primeiras providências. Tão logo foi possível enviou para o Oeste paranaense uma comissão chefiada por Zeno Silva. Esse cidadão deveria verificar de in loco a situação em que se encontrava a região "ameaçada" e encaminhar um relatório completo ao Rio de Janeiro. O documento redigido era completamente desfavorável ao Paraná, pois o responsabilizava pelo histórico abandono da região e propunha que a mesma deveria ser nacionalizada pelo Governo Federal. Foi desse relatório tendencioso, feito a toque de caixa, que nasceu idéia  obtusa da criação de um território federal com porções de terras do Oeste paranaense e catarinense - estas últimas ganhas por Santa Catarina quando da solução, em 1916, da questão do Contestado.

Mário Alves Monteiro Tourinho (1871-1964).

Mário Tourinho, renitente aos interesses federais, ficou no poder menos de um ano, sendo substituído em 1931 por Manoel Ribas, o famoso Maneco Facão, que permaneceria no comando das coisas paranaenses até 1945. Saliente-se que a saída repentina do general Tourinho deu-se principalmente em razão do mesmo ter mandado baixar, sem a anuência do poderoso Getúlio Vargas, o tão famoso Decreto nº 300, o qual procurava sanar a problemática questão envolvendo a concessão de terras no Oeste do Paraná.

[...] este decreto [...] retirava de forma drástica gigantescas extensões de terras eu haviam sido tituladas a grupos econômicos, inclusive estrangeiros, envolvidos sobretudo na construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande” (WACHOWICZ, 1982, p.145).

O Paraná resolveu essa aflitiva questão numa canetada, mas Getúlio não gostou. Não gostou e exonerou Mário Tourinho. Em contrapartida teve no episódio um bônus inesperado, o qual pode usufruir. 

Desde meados da década de 1920, a pressão sobre a fronteira agrícola gaúcha se fazia sentir. A falta de terras no meio rural que pudessem dar vazão ao crescimento demográfico observado naquele estado era insistentemente apresentada a Getúlio pela elite política e pelos capitalistas rio grandenses, sendo o presidente abordado sobre os planos possíveis para o aproveitamento desse excedente populacional.

Ciente desses reclames ponderou que:

[...] seria então recomendável que o excesso de mão de obra rural detectado no Rio Grande do Sul, fosse deslocado e ocupasse o oeste de Santa Catarina e do Paraná. Possíveis reações negativas ou dificuldades administrativas que esses dois estados poderiam interpor não aos colonos gaúchos propriamente ditos, mas, ao controle das operações imobiliárias por parte de capitais gaúchos, precisavam ser evitadas. Diante da recuperação de grandes áreas de terras por parte do Estado do Paraná, através do decreto nº 300, surgia historicamente a grande oportunidade de retirar o controle, principalmente ao Estado do Paraná, de extensas glebas de terras da melhor qualidade” (WACHOWICZ, 1982, p.146).
          
Neste ponto de análise faz-se oportuno que teçamos algumas considerações sobre o limite máximo da colonização, que no Sul do Brasil foi o campo, ocupado tradicionalmente por fazendeiros e destinado para a criação de gado desde os tempos do Brasil Colônia. Para os imigrantes e seus descendentes chegados mais tarde restaram somente aquelas áreas de terras desprezadas pelos latifúndios campeiros, ou seja, áreas de mata, outrora florestais. Além do mais eram dois sistemas contraditórios que colocavam frente a frente o secular sistema de latifúndio dedicado à criação de gado e sua elite campeira e a pequena propriedade imigrante voltada para a produção de alimentos para os centros urbanos.

[...] com efeito, tendo como ponto de partida os primeiros núcleos coloniais plantados no Rio Grande do Sul desde a década de 1820, descendentes dos imigrantes ocuparam as regiões florestais desdenhadas pela sociedade tradicional[no Paraná dito tradicional esse fenômeno também aconteceu]. Desde o Vale do Rio dos Sinos, para o leste e para o oeste, depois para o norte, ultrapassaram as fronteiras gaúchas, colonizando o oeste de Santa Catarina e, na prática, a partir de 1920, povoando e colonizando o Sudoeste e o Oeste do Paraná” (Nadalin, 2001, p.80).

Esse movimento colonização migratório representado por imigrantes e seus descendentes tinha como base material a pequena propriedade e a atividade agrícola. E a migração impôs-se a partir do momento em que os lotes originais  foram sendo repartidos por herança também e em função esgotamento gradativo do solo, o que levava a uma diminuição dos rendimentos e à incapacidade de sustentar a família estendida do tipo camponês (Nadalin, 2001).

 Com o objetivo de dar prosseguimento à estratégia de direcionar colonos gaúchos para o Oeste do Paraná o governo federal trouxe novamente à baila o plano getulista de criação de territórios federais na área pretendida. A chamada nacionalização da fronteira surgiria como o engodo necessário às pretensões de Vargas. Todavia, a Revolução necessitava ser consolidada nos seus primeiros anos de existência e a criação dessas novas unidades ficou postergada meio a contragosto para a década seguinte. Todavia, algumas medidas nacionalistas achadas indispensáveis foram tomadas logo no início da década de 1930.(Fim da 2ª. Parte)


[1] A proposta foi apresentada por Ozório do Rosário Correia, que pretendia transformar durante dez anos a Prefeitura de Foz do Iguaçu em prefeitura especial. Para tanto, toda a arrecadação federal, estadual e municipal seriam imediatamente aplicadas na infra-estrutura turística do próprio município. Pretendia-se também a criação de cassinos, parques de diversões, hotéis e a execução de melhorias na navegação pelo rio Paraná.