sexta-feira, 26 de abril de 2013


Oeste paranaense:
conjuntura política, fundiária, colonizatória enfim
1ª Parte 

 José Augusto Colodel

           O final da década de 1950 pode ser compreendida como a culminância de um amplo e multivariado processo de natureza política e econômica. Ampla conjuntura que teve como balizamentos determinantes a passagem da Coluna Prestes (1924/25), a Revolução de 1930, a desarticulação do sistema obragero no Oeste paranaense e a nacionalização da fronteira mais ocidental do Estado do Paraná.


Exploração e retirada da madeira oestina em larga escala. Imensas marombas (jangadas) desciam o rio Paraná em direção ao território argentino

           Faz-se pertinente que analisemos com mais vagar cada um desses balizamentos, se é que podemos assim chamar esses momentos decisivos, para que possamos melhor compreender as motivações históricas que determinaram o vir-a-ser do Oeste paranaense. Vamos a eles, começando pelas obrages.
           Deve-se ter o entendimento que devido às suas características econômicas norteadoras, baseadas na exploração intensiva e predatória da erva-mate e da madeira e na utilização de mão de obra quase servil, de origem paraguaia, as obrages não manifestaram, obviamente, nenhum interesse em promover a colonização nas grandes áreas que lhes foram destinadas desde o raiar do século XX, o que contrariava os contratos de concessão que haviam firmado com as autoridades brasileiras. A notória falta de fiscalização fê-las agir livremente, adotando às claras, por exemplo, a prática do contrabando puro e simples. O prejuízo econômico aos cofres públicos foi imenso e maior ainda foi o prejuízo no que diz respeito ao atraso na colonização desta região, praticamente despovoada e relegada ao esquecimento nesse período. Mas as coisas iriam mudar.
           No plano puramente econômico o interesse obragero de longa data pelo Oeste paranaense, iniciado no início do século XX, começou a declinar a partir da década de 1930. Tal desinteresse teve origem dentro da própria Argentina quando, naquele país, no território de Missiones, logo no início do século XX, se iniciou o plantio intensivo e científico da erva-mate, o que diminuiu sua dependência do produto brasileiro. Some-se a esse plantio intensivo a adoção de pesada política tributária, a qual dobrou o imposto de importação sobre o mate brasileiro.
           Essas ações fizeram com que as importações argentinas de erva-mate brasileira e oestina caíssem lentamente com o passar dos anos, até se tornarem praticamente inexpressivas.
           Entretanto, o mesmo não se observou quanto à madeira. Aqui existiam ainda muitas reservas e o nosso vizinho do Prata continuou a extraí-la por mais alguns anos ainda, nos mesmos moldes que extraíam a erva-mate. Assim, conhecendo muito bem as matas oestinas, implantaram um sistema de extrativismo seletivo onde a chamada madeira de lei com grande valor comercial era a riqueza cobiçada. De acordo com Peris (2002, p.76), “quando chegaram os colonos agricultores na Região, por volta de 1950, só encontraram os troncos das árvores de madeira de lei [...] as toras já tinham sido extraídas pelos obrageros”.
           A extração da madeira fez com que o sistema obragero se sustentasse ainda por mais alguns anos. Um substituto paliativo, pois as reservas de madeira ficavam mês a mês cada vez mais distantes do rio Paraná, sendo necessário o investimento de importantes capitais para que a sua retirada fosse comercialmente compensatória. Como os obrageros não tinham mais tanto dinheiro disponível passaram a hipotecar suas propriedades – obrages - e não podendo saldar os compromissos assumidos perderam-nas para os seus credores.

Assim, quando os governos paranaense e brasileiro, no final da década de 1920 começam a falar em nacionalização da região, política implantada após  a Revolução de 1930, encontram o sistema das obrages em franca decadência, o que aliás veio facilitar a aplicação de tal política nacionalista”  (WACHOWICZ, 1982, p.158). 

Tropas revolucionárias em Foz do Iguaçu - 1925.
           A passagem das tropas revolucionárias tenentistas, em 1924/25, serviu como um primeiro alerta à opinião pública e autoridades sobre o que por aqui acontecia. Descobriu-se que uma porção importantíssima do território nacional  encontrava-se entregue à sua própria sorte e aos interesses de uns poucos capitalistas argentinos e também ingleses, como era o caso de Porto Britânia.
           Os revolucionários de Prestes foram obrigados a abandonar a Região Oeste, deixaram o alerta, mas nos anos seguintes o status quo vigente permaneceu praticamente inalterado. Os obrageros ainda detinham em suas mãos o controle absoluto da vida comercial oestina e não tinham a mínima intenção em aceitar mudanças, quaisquer que fossem. Enganaram-se, pois poderosas forças alheias à sua vontade emergiram no plano econômico mundial e na vida política brasileira com a vitória de Getúlio Vargas na chamada Revolução de 1930.
A situação começou a mudar com a Revolução de 1930, a qual reservou um papel de maior destaque aos militares, que passaram a se preocupar mais com a integração desta parte do território ao restante do Território do Brasil; com a crise de 1929, a qual fez com que as empresas estrangeiras controladoras das empresas argentinas que atuavam na Região, fizessem uma repatriação de seus capitais; com a Constituição de 1937, que deu poderes ao Conselho Superior de Segurança Nacional, para colonizar e construir estradas dentro do limite de 150 quilômetros da fronteira brasileira com os demais países da região (Peris, 2002, p.76).

           A Revolução de 1930 revelou-se em fenômeno catalisador para a retomada do interesse dito nacional por esta região.

Getúlio Vargas, logo após assumir o governo, pela Revolução de 1930, com amplo apoio dos militares, muitos deles tendo participado nos combates à Coluna Prestes e outros do movimento tenentista, conhecendo a situação das fronteiras brasileiras no Oeste do Paraná, assinou o Decreto 19.842, de 12 de dezembro de 1930, que adotava medidas drásticas do ponto de vista nacionalista. Este decreto exigia que as empresas tivessem, em seus quadros de empregados, no mínimo, dois terços de trabalhadores brasileiros (Sperança, 1992, p.194), dificultando o ingresso e a permanência de estrangeiros, no caso paraguaios e argentinos, nas terras brasileiras e impondo novas dificuldades às empresas estrangeiras” (GREGORY, 2002, p.91).

           No Paraná, o interventor General Mário Tourinho, soldado de primeira hora, foi colocado à testa do governo estadual por Getúlio e resolveu tomar medidas imediatas no sentido de “nacionalizar” a fronteira oeste. A urgência de seus projetos se fazia sentir, pois sabia que era idéia de Getúlio criar naquela região novas unidades administrativas territoriais, açambarcando parte dos territórios do Paraná e de Santa Catarina. Para tanto apresentava-se com a desculpa de que esses estados, notadamente o Paraná, nada fizeram ou faziam para defender sua soberania, daí o estado de abandono em que se encontrava toda a área fronteiriça. Vem daí a idéia da criação do Território Federal do Iguaçu, formalizado pela Lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943 e extinto em 1946 pelo Congresso Nacional. (Fim da 1ª parte).