sexta-feira, 28 de outubro de 2011

No Oeste paranaense,
muamba e contrabando desde o tempo do mil réis!
        
Ainda nesta semana a imprensa regional repercutiu a já tão corriqueira notícia a respeito da prisão de muambeiros e contrabandistas na Ponte da Amizade, no lado brasileiro. Nada de anormal. Aliás, normal seria o fato deles não existirem. Pura ilusão. O certo é que o contrabando por estas paragens é realidade histórica. Atividade firme e forte, cujos alicerces remontam a fins do século XIX, quando por aqui aportaram nas barrancas do rio Paraná os primeiros colonos nacionais e obrageros castelhanos.
E naquela época quem comandava o lucrativo negócio do contrabando eram os comerciantes argentinos, principalmente aqueles residentes nas províncias de Corrientes e Posadas.
Antiga Aduana em Foz do Iguaçu, instalada precariamente sobre uma balsa.
O bom negócio não tinha amarras ou cordames e mesmo após a criação da Colônia Militar de Foz do Iguaçu, em 1889, o abastecimento de toda a Região Oeste do Paraná estava nas mãos de algumas casas comerciais argentinas, cada qual com o seu barco a vapor – na época uma espécie de armazém itinerante de secos e molhados, que subia e descia o Paranazão.
Época difícil, região meio que jogada às traças. Estradas, bem, elas quase não existiam. As pouquíssimas repartições públicas funcionavam precariamente, sem pessoal minimamente qualificado. Do jeito que a coisa andava o funcionário público ser designado para trabalhar no Oeste paranaense nada mais era do que motivo de infelicidade, de punição.
E para burlar o fisco dava-se um jeito, jeitinho argentino. Dentre tantos artifícios, usava-se da seguinte artimanha: quando os vapores subiam o rio Paraná, indo na direção de Guaira, nada descarregavam; quando voltavam, vendiam suas mercadorias como sendo brasileiras, sem as etiquetas argentinas. Assim o faziam com o objetivo de alegar que as ditas mercadorias haviam sido adquiridas em Guaira, estando, portanto, isentas do fisco. É bom que se diga que Guaíra era controlada pela Companhia Mate Laranjeira e, portanto, firmemente subordinada aos interesses obrageros.
Mas, convenhamos, a quem cabe o julgamento prévio para tal rotina de sonegação? O melhor mesmo é não se precipitar, avaliando o passado com os olhos do presente. O contrabando então praticado pode ser em parte justificado à medida que até a liberação do tráfego pela estrada de ferro que ligava Guaira a Porto Mendes, em 1930, quase nenhuma mercadoria nacional chegava ao Oeste paranaense, seja vindo de Curitiba ou São Paulo. Não havia interesse de parte da Companhia Mate Laranjeira, meio argentina meio brasileira, em liberar a dita estrada para que comerciantes brasileiros pudessem colocar seus produtos na região. Não era para menos, pois todos os seus parceiros comerciais na compra de erva-mate eram argentinos. E, convenhamos, seria uma tremenda estupidez contrariá-los.
O contrabando corria solto e continuou sendo praticado livremente mesmo depois que foi inaugurada a Coletoria de Rendas na cidade de Foz do Iguaçu, em 1913. Com o passar dos meses foram instalados em portos localizados na margem brasileira do rio Paraná seis postos fiscais: Santa Helena, Porto Britânia, Doze de Outubro, Artaza, Porto Mendes e Mojoli (Guaira). Em cada um deles havia um funcionário estadual residente e indigentemente remunerado.

    
       Os barcos a vapor argentinos funcionavam como verdadeiros armazéns itinerantes de secos e molhados.
Mas tais postos fiscais de pouco ou nada serviam, mesmo porque os funcionários dependiam em tudo dos obrageros, desde moradia até a alimentação. Assim sendo, faziam vistas grossas tanto para as mercadorias que eram desembarcadas nesses portos bem como as quantidades exatas de erva-mate que eram exportadas e, no papel, que ficavam sempre bem aquém da realidade. E olha que o contrabando era tão grosseiro que a alfândega de Posadas registrava de cinco a dez vezes a mais a quantidade de mate brasileiro, leia-se oestino, que chegava àquele país! Lá o fisco funcionava a contento.
Mas não era só o mate que era exportado ilegalmente. Outro produto cobiçado e visado era a madeira. Os impostos pagos eram ridículos se comparados com toda a madeira que descia o Paraná, nas conhecidas jangadas ou marombas. Para que isso acontecesse, também contava-se com a conivência das autoridades brasileiras responsáveis, a qual era notória.
Vivendo à margem desse contrabando maior, mas dependentes dos comerciantes argentinos, estavam os moradores da região, poucos e praticamente abandonados à própria sorte. Longe de tudo e de todos não podiam dar-se ao luxo de contestar nada e ninguém. Dependiam dos vapores para tudo. E isto é um fato.
  Para adquirir determinados produtos, tais como gasolina, querosene e ferramentas, por exemplo, tinham que dar uma “gorjeta” para a autoridade aduaneira em Foz do Iguaçu e também para o comandante do vapor, que desta forma se dispunha a entregar o pedido num dos portos existentes.
 
Jangada desce lentamente o rio Paraná em direção a Posadas, na Argentina.
Durante muitos anos a madeira foi contrabandeada impunemente.

 E assim foi até a segunda Guerra Mundial – o Brasil declarou guerra ao Eixo em 1942 -, quando a repressão ao contrabando, por motivos de segurança nacional, foi intensificada durante o Governo de Getúlio Vargas.
Vem daí que o contrabando não é novidade entre nós oestinos. Quase institucionalizado, hoje ganha contornos ainda mais perversos quando as portas do país encontram-se abertas para a entrada abundante de armas e drogas que abastecem bocas, narinas e os bolsos do crime organizado.