quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Rio Paraná: caminho de pessoas, mercadorias e idéias.

  Para o Oeste paranaense o Rio Paraná, antes do aparecimento do Lago de Itaipu, foi, dentre outros, o meio físico condutor de todo um processo de natureza histórica que se confunde com a própria história da ocupação, povoamento e colonização modernos na região.
O Rio Paraná, seus portos de embarques e seus vapores.
[O rio Paraná] é um rio totalmente político. Os seus formadores separam: o primeiro, o Estado de Minas Gerais do de Goyaz e o segundo, o grande Estado montanhêz do prospero Estado de São Paulo, formando ambos o rico triangulo mineiro (FIGUEIREDO, 1937. p.121).

[...] a importancia que o [rio] Paraná exerce na historia da America, se perde nas noites do tempo. Era por êle que os castelhanos subiam na ancia louca da ambição, em busca de castelos doirados dos Incas. Ainda por êle desciam os masculos bandeirantes paulistas, á cata do ouro fascinante de Cuiabá, baixando o Tietê e subindo o Pardo (Id. p.124)
     
       Tal constatação é fácil de ser aquilatada quando do manuseio das fontes documentais que dizem respeito à história da Região Oeste.
Construção de jangada em Porto Mendes. A madeira retirada do Oeste paranaense seguia pelo rio Paraná em direção às províncias de Corrientes e Missiones, em território argentino.
       Os moradores mais antigos que na região chegaram às primeiras décadas do século XX são unânimes em longos relatos sobre o rio Paraná, sobre o majestoso “Paranazão”. Para eles ele era parte integrante do dia a dia. Vale dizer que muitos deles chegaram ao Oeste paranaense via Paranazão, usando-se de vapores argentinos e paraguaios.
         Durante dezenas de anos foi a artéria de comunicação mais importante existente na região, numa conjuntura em que as estradas praticamente inexistiam ou não passavam de simples picadas abertas rudimentarmente e que raramente ofereciam condições razoáveis de trânsito. Uma pesquisa rápida no material cartográfico da época mostra imediatamente a precariedade da malha viária da região nas primeiras décadas do século XX.
     O rio Paraná era um caminho natural de locomoção por onde trafegavam pessoas, mercadorias e idéias. Nas suas barrancas estruturaram-se dezenas de portos fluviais em ambas as margens, seja em território brasileiro ou paraguaio.
    No lado brasileiro, no início do século XX existiam os seguintes portos no Alto Paraná, a partir de Foz do Iguaçu, em direção a Porto Mendes: Foz do Iguaçu, Bela Vista, Sol de Maio, Santa Helena, Jejuí, Porto Felicidade, Porto Britânia, Porto Rio Branco, São Francisco, Porto Artaza e Porto Mendes.
    Na maioria desses portos em função das barrancas do rio Paraná serem muito íngremes, com mais de cinqüenta metros, o embarque e desembarque de passageiros e mercadorias era feito por meio de zorras movidas a vapor, tração animal ou mesmo usando braços humanos.
     Fronteira natural entre o Brasil e o Paraguai o rio Paraná não impediu que a Região Oeste fosse objeto dos interesses comerciais de capitalistas argentinos. Ao contrário, contribuiu.
    Oriundos preferencialmente das províncias de Corrientes e Missiones os obrageros argentinos montaram no Brasil verdadeiros impérios destinados à exploração da erva-mate e da madeira. Para isso, desde o final do século XIX, com a anuência ou não do governo imperial brasileiro, adquiriram vastíssimas concessões de terras de onde retiraram imensas quantidades dessas riquezas vegetais.

Portos de Corrientes e Posadas.
     Retiradas dos sertões eram transportadas até as margens do rio Paraná e dali, por meio de vapores, balsas ou jangadas, eram encaminhadas até o território argentino, onde eram beneficiadas.
     Nessas gigantescas concessões de terras transpôs-se para o Oeste paranaense todo um modus vivendi socioeconômico característico e que ficou conhecido como obrages, sendo os seus proprietários chamados de obrageros.
Mensu paraguaio na recolha da erva-mate.
     Enquanto os capitalistas argentinos entraram com a “propriedade da terra”, a mão de obra destinada à sua exploração era proveniente do Paraguai. Eram os chamados mensus - trabalhadores manuais que aqui aportavam carregando como mudança expectativas de trabalho e dinheiro. Sonho esse que rapidamente se desfazia na dura realidade do trabalho quase escravo das obrages.

A compreensão do universo de vida desses indivíduos somente ganha contornos mais nítidos se, antes de tudo, entendermos como foram organizados os vastíssimos domínios rurais que se estabeleceram em quase todo o oeste paranaense e sul do Mato Grosso, e que eram conhecidas como ‘obrages’ (COLODEL, 1992, p.129).


      Durante o longo período em que se explorou a erva-mate e a madeira no Oeste do Paraná, por intermédio das obrages, quase a totalidade da mão de obra arregimentada para a execução dessas atividades era composta por trabalhadores paraguaios. Eram os chamados guaranis modernos: mensus ou peões. A designação era dada aos indivíduos que se propunham trabalhar braçalmente numa obrage. O termo equivale-se ao peão, sendo que o seu trabalho era pago mensalmente, ou pelo menos sua conta era assim movimentada. Se procurarmos a raiz etimológica dessa expressão, veremos que ela vem do espanhol: mensual, ou seja, mensalista.
      Não nos aprofundaremos em todas as particularidades inerentes no sistema de exploração/coerção representado pelas obrages. Diremos apenas que elas dificilmente lograriam sobreviver por tão longo período de tempo - cerca de meio século - ou nem mesmo assumiriam as características que assumiram caso não houvesse o rio Paraná.
Obrageros e erva-mate.
      Torna-se fácil explicarmos a presença das obrages, cujas atividades eram praticamente desconhecidas durante o final do Império e os primeiros anos da República Velha, sem levarmos em consideração que todo o Oeste paranaense ficara praticamente abandonado pelas autoridades governamentais brasileiras. Região de fronteira, despovoada em grande parte, somente mereceria um pouco atenção quando da fundação da Colônia Militar de Foz do Iguaçu, em 1889. É dessa época a vinda dos primeiros colonos brasileiros para a região.

      Mesmo após a chamada Revolução de 1930 a situação de abandono em que se encontrava a região permanecia praticamente inalterada para aqueles que percorriam a região, vindos de outras paragens.
          
O oéste paranaense tem dois pontos de atração do seu comercio: Guarapuava, que regula as transações com o litoral e Foz do Iguassú, que faz o intercambio pelo rio Paraná.
Por Guarapuava se exporta o mate, o pinho, o gado, o porco e alguns cereais; por Foz do Iguassú, somente mate e madeira.
Foz do Iguassú consome grande quantidade de produtos argentinos e paraguaios, que entram no Brasil, em sua grande maioria, pela porta larga do contrabando (FIGUEIREDO, 1937. p. 85).

A cidade [Foz do Iguaçu] possue um porto servido por uma rampa muito bem construída, que nasce numa extensa praia de arêia amarela. O Porto fica num remanso, onde os redemoinhos, girando com excessiva velocidade, entravam de certo modo a atracação. Defronte do nosso porto ha o paraguaio Porto Franco, aberto recentemente por uma companhia de extração de madeiras.
O gerente da companhia, senhor MATTEUDA, informou-me ter conseguido exportar 1.000 vigas mensais.
Parece-me que o regime de trabalho adotado na tal companhia é o da escravatura (Id. p. 86).  

      Não se pode negar que a passagem da famosa Coluna Prestes em terras paranaenses, em 1924/25, serviu como um alerta aos governos paranaense e brasileiro, a partir do momento em que a imprensa escrita começou a denunciar o estado de abandono em que se encontrava toda a região.
      Entretanto, somente com a Revolução de 1930, é que a Região Oeste começou a ser o alvo da atenção do governo federal. Aconteceu quando Getúlio Vargas iniciou o seu programa político-ocupacional denominado Marcha para o Oeste, com a consequente nacionalização da região, através de um povoamento mais organizado e cassação das concessões de terras antes em mãos argentinas e paraguaias.
     Nessas marchas e contramarchas, permaneceu o rio Paraná como o suporte logístico de maior importância. Desde o último quartel do século XIX suas margens estavam em constante agitação com o surgimento de mais de duas dezenas de portos. Os núcleos de povoamento que foram aparecendo no interior dependiam quase que exclusivamente do rio Paraná para a sua sobrevivência. Criou-se entre a população oestina e o rio Paraná um relacionamento cultural extremamente forte e duradouro.
Sistema de zorras. Cargas e passageiros desciam e subiam pela barranca íngreme e perigosa.
No atracadouro improvisado o vapor aguarda.
     Tal relacionamento logrou perdurar até o momento em que a rede viária atingiu certa magnitude e começou a arcar com as tarefas de transporte e comunicação.
     Deve-se destacar que o desenvolvimento e proliferação da malha de estradas carroçáveis não aconteceu de maneira rápida e uniforme. Mesmo após o início da década de 1940, quando novos fluxos de colonos redescobriram o Sudoeste e o Oeste paranaense e se fixaram de maneira mais intensa, o número de estradas nessas regiões era ridiculamente pequeno e essas se apresentavam em péssimas condições de uso. Eram flagrantes as dificuldades com que as levas migratórias se deparavam para chegar à região através das raríssimas vias terrestres existentes. Depoimentos orais colhidos com personagens que aqui chegaram nessa época são fartos e unânimes nesse aspecto. A nossa principal via terrestre de comunicação, a BR-277, somente foi asfaltada em meados da década de 1960!
Vapor atracado no rio Paraná, acompanhado de duas balsas.
     A navegação a vapor no rio Paraná, no trecho compreendido entre Porto Mendes e Foz do Iguaçu, recebeu um duro golpe quando o governo revolucionário de 1930 resolveu nacionalizar a região de fronteiras. As grandes extensões de terras, antes sob o controle de capitalistas argentinos voltaram ao domínio do brasileiro, que procurou repassá-las a empresários nacionais que tivessem interesse em colonizar a região, através de empresas legalmente constituídas.
     Não tendo mais aqui suas obrages, os empresários argentino pouco a pouco foram desativando suas empresas de navegação a vapor, já que não tinham mais o monopólio da extração da erva-mate e da madeira.
     Tão grande era a influência argentina e paraguaia nesta região que uma das primeiras medidas tomadas pelo governo revolucionário de Vargas foi a de obrigar o uso da língua portuguesa nas escolas e repartições públicas em atividade no Oeste paranaense, já que se falava quase que exclusivamente o castelhano e o guarani! Isso sem falar que dentro das obrages o pagamento dos mensus, quando era feito, e isso era raro, era através de um dinheiro próprio, mandado emitir pelos próprios obrageros!
      Pode parecer, e isso não é verdade, que com a saída dos obrageros o rio Paraná perdeu por completo sua importância dentro do contexto socioeconômico regional. Longe disso.
    As populações aqui estabelecidas continuaram mantendo estreitos laços com aquela artéria navegável até o momento de seu desaparecimento, com a formação do reservatório da Hidroelétrica de Itaipu Binacional, em 1982.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COLODEL, José Augusto. Matelândia: história & contexto.  Cascavel : Assoeste, 1992.

FIGUEIREDO, Lima. Oéste Paranaense. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1937. p.121.

terça-feira, 25 de junho de 2013

OESTE PARANAENSE
CONJUNTURA POLÍTICA, FUNDIÁRIA, 
COLONIZATÓRIA ENFIM

Parte Final

Jose´Augusto Colodel

                
             A primeira delas ocorreu já no final de 1930 quando o governo fez publicar em 12 de dezembro o Decreto nº 19.482, que ficou conhecido como a “lei dos dois terços”. Por esse dispositivo legal ficou proibido pelo período de um ano o ingresso de estrangeiros no território nacional, além de exigir que as empresas mantivessem m seus quadros de funcionários um mínimo de dois terços de trabalhadores nacionais. Duro golpe para as obrages, cuja mão de obra era composta na sua totalidade de trabalhadores paraguaios – os mensus.
           Não parou por aí. No ano de 1932 foi criada pelo governo federal, via Ministério da Guerra, a Companhia Isolada de Foz do Iguaçu. Essa guarnição tinha como missão coibir o contrabando, fornecer guarda avançada à soberania nacional e oferecer apoio logístico às futuras operações visando à futura demarcação e consolidação da região aos interesses do são-borjense Getúlio Vargas.
           Em 1937 Getúlio promulgou uma nova Constituição sob a égide do Estado Novo. Impõe-se a ditadura. Soberano em suas decisões, Getúlio investiu com renovado ânimo na criação do Território Federal do Iguaçu e do de Ponta Porã, localizado no este e sul do Mato Grosso. Para tanto, fez incluir na Constituição Federal um dispositivo que proibia os estados a concessão de terras numa faixa de fronteira de cento e cinqüenta quilômetros sem que houvesse a concordância do Conselho Superior de Segurança Nacional. Também não era permitida a abertura de estradas. Essas medidas tinham a clara intenção de frear as iniciativas paranaenses – também catarinenses e mato-grossenses - no sentido de promover a colonização em sua porção mais ocidental. A área estava, à letra miúda, fadada aos interesses da União – leia-se aos interesses de Getúlio. Não demorou muito tempo e seis anos mais tarde, em 1943, foi finalmente criado o Território Federal do Iguaçu.
           A área total do futuro território era de quarenta e sete mil quilômetros quadrados, sendo que dois terços da mesma estavam ainda inteiramente desocupados. Censos apontam que em 1940 residiam na área apenas três mil e seiscentas famílias, conseqüência direta da presença das obrages por mais de meio século na região.
           A criação do território foi uma decisão arbitrária, foi efêmero em sua existência, mas, queira-se ou não, lançou as bases que possibilitariam o efetivo povoamento da Região Oeste durante os vinte anos seguintes.
           Compreenda-se que as possibilidades da iniciativa de capitalistas gaúchos e catarinenses em encetar seu projeto de colonização privada em terras paranaenses eram bem concretas e não passaram despercebidas pelas autoridades paranaenses, uma vez que, de acordo com Gregory (2000, p.117), “havia, também no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, experiências de sucesso empresarial e de desenvolvimento de colônias que, certamente, se expandiriam para as terras florestais a Oeste”.
           Extinto o Território Federal do Iguaçu, o Estado do Paraná não ficou de braços cruzados à espera de possíveis mutilações ou perda de autoridade política dentro de seus domínios. A experiência do Território Federal do Iguaçu ainda calava fundo. As autoridades paranaenses, agindo no interesse de consolidar sua presença na região e gerenciar questão da imigração e colonização criaram a Fundação Paranaense de Imigração e Colonização em 1947 e também o Departamento Administrativo do Oeste em 1948, o qual foi transformado mais tarde no Departamento de Fronteira, ligado diretamente ao palácio Iguaçu. Uma nova fase foi inaugurada, cabendo ao Estado do Paraná o papel de controlar e gerenciar a política colonizatória. Política esta por ele definida e seguida mediante dispositivos legais de sua autoria. O estado via-se como um agente disciplinador, transformador e modernizador, cujo objetivo maior, como foi o caso do Oeste do Paraná, era o de promover a integração desta região sob a égide uma renovada política populacional e territorial (Gregory, 2000).
           O marco dessa fase intermediária, durante a vigência do Território Federal do Iguaçu, onde a iniciativa privada ainda não se coadunava integralmente com os interesses reguladores do Estado do Paraná na política colonizatória, foi a aquisição, em 1946, pela empresa Industrial Madeireira Colonizadora Rio Paraná (MARIPÁ) de uma antiga obrage, a Fazenda Britânia, com a finalidade de assentamento de colonos gaúchos. Dividida a área, foi loteada e colocada à venda aos migrantes interessados. Contudo, antes de promover a venda dos lotes aos colonos a Maripá tinha o direito contratual de retirar a madeira que lhe interessava e que era exportada para a Argentina via rio Paraná. De acordo com Peris (2002, p.77), “ao fazer parcerias com outras empresas para serrar a madeira, acelerou o processo de colonização da Região e deu condições para o seu povoamento”.
          
[...] os fundadores da Maripá também tiveram participação ativa em outros empreendimentos colonizadores no Oeste paranaense. Pode-se citar, entre eles, a Colonizadora Gaúcha Ltda. (São Miguel do Iguaçu); Industrial Agrícola Bento Gonçalves (Medianeira); Colonizadora Matelândia (Matelândia); Terras e Pinhais Ltda. (São Jorge – Foz do Iguaçu) e a Pinho e Terras Ltda. (Céu Azul)  (Colodel, 2003, p.69).
                 
           O grande sucesso do empreendimento comercial da Maripá despertou o interesse de outros capitalistas gaúchos. Assim, várias empresas voltadas à colonização foram criadas no Rio Grande do Sul com o objetivo de lucrar, e lucrar alto, com a revenda de terras no Oeste paranaense.
            Os projetos colonizadores se multiplicam e atraíram milhares de famílias durante as décadas de 1940-50. Podemos chamar essa fase como sendo a frente de povoamento sulista, já que a corrente colonizadora tem sua origem preferencialmente nos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Ela entrará na década de 1970, formando vários municípios oestinos.

Durante a década de 1940, a população dobrou de 145.000 habitantes para 295.000, o que se deveu principalmente à entrada de uns 116.000 imigrantes [na verdade migrantes], tendo se dado a penetração da região tanto pelo sul como, também, efeito do transbordamento da nova região cafeeira, pelo norte, através de Campo Mourão e ao longo da ferrovia projetada de Cianorte  para Guaíra. Durante o decênio 1950-60, porém, a imigração [sic] para o oeste do Estado deu um salto para 580.000 pessoas e a população total para 988.000, representando um aumento de aproximadamente sete vezes em cerca de vinte anos; posteriormente, com a aceleração da imigração [sic] líquida depois de 1960 (423.000 em cinco anos), a população alcançou 1.584.000 em 1965. Neste ano a densidade demográfica para todo o oeste era de 46,1 hab./milha quadrada [1 milha é igual 2.200 metros], maior do que a do leste do Paraná em 1965 se excluirmos a zona de Curitiba [...] como resultado da Segunda onda de explosão demográfica no Paraná resultante da imigração [sic], a participação do oeste na população total do Estado aumentou de 11,7 para 27,1 por cento durante o período 1940-65 (Nicholls, 1971, p. 39).

           Antes dela o Oeste foi alcançado por uma rarefeita frente de ocupação e colonização proveniente do chamado Paraná Tradicional, tendo como centros irradiadores os Campos de Guarapuava, das antigas colônias de imigrantes europeus estabelecidos no terceiro planalto e de Laranjeiras do Sul, dentre outros. Seu principal eixo de penetração, como já dissemos, foi a estrada ligando Guarapuava a Foz do Iguaçu. Esse fluxo populacional encontrou espaço nos atuais territórios de Cascavel, Catanduvas, Guaraniaçu e Foz do Iguaçu.
            Finalmente temos uma terceira frente de colonização. Depois de ter ocupado o Norte paranaense, atraída pela economia cafeeira, atravessou o rio Piquiri e chegou ao Oeste. Compõe esse fluxo populacional elementos que haviam saído dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e também do Nordeste brasileiro. Da sua ação povoadora surgiram os municípios Guaíra, Palotina, Terra Roxa, Assis Chateaubriand, Formosa do Oeste, Nova Aurora, Vera Cruz do Oeste, Ouro Verde do Oeste, Cafelândia, Tupãssi, Corbélia, Braganey, dentre outros.
            No final da década de 1980 encontramos Oeste paranaense como uma região com estabilidade geográfica e demográfica[1]. A sua inserção econômica com o restante do mercado nacional, iniciada com a criação e revenda de suínos na década de sessenta, e, também internacional, dá-se com a mecanização da agricultura, iniciada já no início dos anos setenta, proliferação do sistema financeiro e com o plantio intensivo do soja e do milho. (FIM)




[1] Entretanto, desde meados dessa década o Extremo-Oeste é alvo de uma última grande modificação geográfica e demográfica que terá efeitos sócio-econômicos duradouros sobre toda a região. Essa mudança tem origem na construção da hidroelétrica de Itaipu Binacional; iniciada em 1974. A formação do seu Reservatório, em 1982, somente foi possível através da desapropriação de milhares de propriedades rurais e na migração forçada de milhares de colonos estabelecidos em áreas marginais ao rio Paraná, e cujo destino ainda é merecedor de estudos mais aprofundados. Em 82 os municípios atingidos pelo Reservatório de Itaipu foram os seguintes: Santa Helena, Marechal Cândido Rondon, Terra Roxa, Guaíra, Matelândia, Medianeira, São Miguel do Iguaçu e Foz do Iguaçu. Pelos desmembramentos territoriais ocorridos desde então, recebem atualmente os chamados royalties também os municípios de Diamante D’Oeste, Entre Rios do Oeste, Itaipulândia, Mercedes, Missal, Pato Bragado, São José das Palmeiras, Santa Terezinha de Itaipu e Mundo Novo; este último no Estado do Mato Grosso do Sul.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

E NÃO É QUE O TEMPO PASSOU! 
E PODIA SER DIFERENTE!?
Santa Helena 46 anos

José Augusto Colodel

Foi-se o tempo em que pela Avenida Brasil passava boi, passava boiada. Passava também a porcada, capitaneada pelo "frenteiro", treinado para seguir uma espiga de milho, apetitosa à frente do focinho. Longo desfile de suínos que seguiam, passo lento e ressabiado para Ponta Grossa. A avenida era puro chão, chão puro, poeirento ou enlameado conforme os caprichos do tempo! E pelos lados da rua a turma a espiar o cortejo mal-cheiroso. Ninguém dava muita bola para o "perfume", mesmo porque dizia-se que porco tinha cheiro de dinheiro!
Pela Avenida passava boi, passava boiada.

Por uma razão ou outras eles acreditaram.

Também foi-se o tempo do desfile de jipes aos sábados de manhã, das compras mensais e semanais nas poucas e tradicionais casas comerciais. O fiado ainda valia, como também valia a palavra de homem, afiançada no fio de bigode! Nas lojas e empórios comprava-se querosene,  fumo em corda, aguardente, brim, chapéus, tecidos em metro, munição, botinas, cordas e ferramentas, e assim ia.

Das comunidades espalhadas pelo interior do município pipocavam ônibus superlotados, num vai e vem pra cima e pra baixo. E não estou querendo dizer que a zona rural era "fraquinha", desabitada. Muito pelo contrário, gente era o que não faltava, dando animação à Vila Celeste, Sub-Sede, Correia Porto, Santa Helena Velha, São Clemente, etecétera e tal. Foi o Lago de Itaipu em 1982 quem acabou com a festa, deixando Santa Helena com cerca de 70%do seu território original.

Santa Helena, o município propriamente dito, criado e emancipado, tem 46 anos de vida, algo em torno de duas gerações. Contudo, as raízes são muito mais profundas. E elas vão longe, mas para não cavarmos muito nesses labirintos da história vamos nos fixar inicialmente no início do século XX, quando nas proximidades da margem esquerda do rio Paraná se fixaram as primeiras famílias de colonos. Era o núcleo populacional de Santa Helena Velha. Lugar antigo, testemunha ocular da passagem das tropas revolucionárias de Prestes na região, em 1924-1925. Aliás, foi ali que a Coluna, com Prestes no comando, iniciou suas peripécias Brasil afora, até o final da épica jornada na Bolívia, em 1927.

Foi-se o Paranazão, com seus vapores e jangadas.
Santa Helena Velha reinou inconteste até o início da década de 1950 quando a Imobiliária Agrícola Madalozzo criou os núcleos de Santa Helena (nova) e Sub-Sede São Francisco. Aliás, a imobiliária tinha experiência, pois já tinha investido e criado o atual município de Planaltina. E com a Madalozzo, seus terrenos, chácaras e colônias, a migração explodiu. Milhares e milhares de famílias aventuraram-se e fincaram os pés no Oeste paranaense e em Santa Helena durante as décadas de 1950 a 1970, mudando completamente a paisagem natural, demográfica, social e econômica desta região.

Foi-se também o Saltinho e seus piqueniques de final de semana.

E o tempo passava, continua passando, carregando consigo sua historicidade, suas contradições e sua processualidade. O município criado em 1967 encolheu em 1982 com a Binacional. A agricultura do tipo familiar integrou-se de corpo e alma ao ditames do mercado nacional e internacional, da grande produção. As economias, guardadas no velho cofre de algum comerciante de confiança,  ficaram para trás, obsoletas. O Banco do Brasil aportou sem rodeios, cheio de vitalidade, voraz, arauto do moderno sistema financeiro. Com ele ou junto com ele vieram a destoca, a  mecanização e o plantio intensivo do soja e do milho. As madeireiras viraram laminadoras. O trigo, bonito de se ver, amarelinho ouro  ao sabor dos ventos, durou até o final da década de 1980. Ele também foi - dizem que o clima não ajuda. Foi também o hortelã, cujo óleo era vendido a "peso de ouro" nas década de 1960 e 1970.

A Santa Helena (nova) em meio à mata.

Daí então a chuva passou a encharcar o asfalto e pela Avenida Brasil já não passa boi, não passa boiada. Também não passa a porcada. Ficou o cheiro, o cheiro da poeira, da brisa da mata, da terra molhada e da porcada que tinha cheiro de dinheiro! 



















OESTE PARANAENSE:

CONJUNTURA POLÍTICA, 
FUNDIÁRIA, COLONIZATÓRIA ENFIM.

2ª. Parte

José Augusto Colodel



Tomando a dianteira e procurando esvaziar o argumento federal de que a região encontrava-se abandonada o governo paranaense, além de nomear Othon Mäeder Prefeito de Foz do Iguaçu, determinou que todos os documentos oficiais, anúncios comerciais e avisos fossem escritos e publicados em língua portuguesa. Mais ainda, as repartições públicas deveriam fazer circular e cobrar todos os tributos que lhe eram devidos unicamente a moeda brasileira. Além disso, providenciou-se para que as repartições públicas e outros segmentos da sociedade organizada das comunidades de Foz do Iguaçu e Guaíra recebessem jornais de Curitiba, deixando-as informadas do que acontecia no Paraná e no Brasil. É dessa época a primeira tentativa de transformar Foz do Iguaçu em um centro turístico internacional.[1]

O Governo Federal pensava além. Também queria nacionalizar a imensa Região Oeste. Todavia, entendia ser necessário e fundamental aos seus intentos que o seu efetivo povoamento fosse uma realidade, que as iniciativas não ficassem somente no papel, tal qual letra morta. Dessa vontade é que nasceu a política governamental denominada de Marcha para o Oeste. Em tese uma maré povoadora que, partindo do litoral já ocupado, penetraria nos sertões brasileiros através de estradas de ferro e hidrovias a serem construídas. Um plágio tupiniquim do que fizeram os norte-americanos a partir de meados do século XIX em seu far-west.

Nessa ideologia de neo-povoamento, que se pretendia como revolucionária, retirou-se do baú da história o bandeirantismo, enquanto movimento fomentador da expansão e reconquista territoriais. A reintrodução histórica de uma camada de novos povoadores, tais como como foram os bandeirantes paulistas do século XVII. Mais de duzentos anos depois avançariam inexoravelmente rumo às fronteiras oestinas, retirando-as do domínio estrangeiro.Novamente os usurpadores dos domínios da pátria são encontrados entre os espanhóis e seus descendentes. E para a revolução vitoriosa de Vargas esses usurpadores são encontrados principalmente entre os obrageros.

Wachowicz (1982) em seu tão conhecido "Obrageros, mensus e colonos",  relata que o Governo Federal não demorou para tomar as primeiras providências. Tão logo foi possível enviou para o Oeste paranaense uma comissão chefiada por Zeno Silva. Esse cidadão deveria verificar de in loco a situação em que se encontrava a região "ameaçada" e encaminhar um relatório completo ao Rio de Janeiro. O documento redigido era completamente desfavorável ao Paraná, pois o responsabilizava pelo histórico abandono da região e propunha que a mesma deveria ser nacionalizada pelo Governo Federal. Foi desse relatório tendencioso, feito a toque de caixa, que nasceu idéia  obtusa da criação de um território federal com porções de terras do Oeste paranaense e catarinense - estas últimas ganhas por Santa Catarina quando da solução, em 1916, da questão do Contestado.

Mário Alves Monteiro Tourinho (1871-1964).

Mário Tourinho, renitente aos interesses federais, ficou no poder menos de um ano, sendo substituído em 1931 por Manoel Ribas, o famoso Maneco Facão, que permaneceria no comando das coisas paranaenses até 1945. Saliente-se que a saída repentina do general Tourinho deu-se principalmente em razão do mesmo ter mandado baixar, sem a anuência do poderoso Getúlio Vargas, o tão famoso Decreto nº 300, o qual procurava sanar a problemática questão envolvendo a concessão de terras no Oeste do Paraná.

[...] este decreto [...] retirava de forma drástica gigantescas extensões de terras eu haviam sido tituladas a grupos econômicos, inclusive estrangeiros, envolvidos sobretudo na construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande” (WACHOWICZ, 1982, p.145).

O Paraná resolveu essa aflitiva questão numa canetada, mas Getúlio não gostou. Não gostou e exonerou Mário Tourinho. Em contrapartida teve no episódio um bônus inesperado, o qual pode usufruir. 

Desde meados da década de 1920, a pressão sobre a fronteira agrícola gaúcha se fazia sentir. A falta de terras no meio rural que pudessem dar vazão ao crescimento demográfico observado naquele estado era insistentemente apresentada a Getúlio pela elite política e pelos capitalistas rio grandenses, sendo o presidente abordado sobre os planos possíveis para o aproveitamento desse excedente populacional.

Ciente desses reclames ponderou que:

[...] seria então recomendável que o excesso de mão de obra rural detectado no Rio Grande do Sul, fosse deslocado e ocupasse o oeste de Santa Catarina e do Paraná. Possíveis reações negativas ou dificuldades administrativas que esses dois estados poderiam interpor não aos colonos gaúchos propriamente ditos, mas, ao controle das operações imobiliárias por parte de capitais gaúchos, precisavam ser evitadas. Diante da recuperação de grandes áreas de terras por parte do Estado do Paraná, através do decreto nº 300, surgia historicamente a grande oportunidade de retirar o controle, principalmente ao Estado do Paraná, de extensas glebas de terras da melhor qualidade” (WACHOWICZ, 1982, p.146).
          
Neste ponto de análise faz-se oportuno que teçamos algumas considerações sobre o limite máximo da colonização, que no Sul do Brasil foi o campo, ocupado tradicionalmente por fazendeiros e destinado para a criação de gado desde os tempos do Brasil Colônia. Para os imigrantes e seus descendentes chegados mais tarde restaram somente aquelas áreas de terras desprezadas pelos latifúndios campeiros, ou seja, áreas de mata, outrora florestais. Além do mais eram dois sistemas contraditórios que colocavam frente a frente o secular sistema de latifúndio dedicado à criação de gado e sua elite campeira e a pequena propriedade imigrante voltada para a produção de alimentos para os centros urbanos.

[...] com efeito, tendo como ponto de partida os primeiros núcleos coloniais plantados no Rio Grande do Sul desde a década de 1820, descendentes dos imigrantes ocuparam as regiões florestais desdenhadas pela sociedade tradicional[no Paraná dito tradicional esse fenômeno também aconteceu]. Desde o Vale do Rio dos Sinos, para o leste e para o oeste, depois para o norte, ultrapassaram as fronteiras gaúchas, colonizando o oeste de Santa Catarina e, na prática, a partir de 1920, povoando e colonizando o Sudoeste e o Oeste do Paraná” (Nadalin, 2001, p.80).

Esse movimento colonização migratório representado por imigrantes e seus descendentes tinha como base material a pequena propriedade e a atividade agrícola. E a migração impôs-se a partir do momento em que os lotes originais  foram sendo repartidos por herança também e em função esgotamento gradativo do solo, o que levava a uma diminuição dos rendimentos e à incapacidade de sustentar a família estendida do tipo camponês (Nadalin, 2001).

 Com o objetivo de dar prosseguimento à estratégia de direcionar colonos gaúchos para o Oeste do Paraná o governo federal trouxe novamente à baila o plano getulista de criação de territórios federais na área pretendida. A chamada nacionalização da fronteira surgiria como o engodo necessário às pretensões de Vargas. Todavia, a Revolução necessitava ser consolidada nos seus primeiros anos de existência e a criação dessas novas unidades ficou postergada meio a contragosto para a década seguinte. Todavia, algumas medidas nacionalistas achadas indispensáveis foram tomadas logo no início da década de 1930.(Fim da 2ª. Parte)


[1] A proposta foi apresentada por Ozório do Rosário Correia, que pretendia transformar durante dez anos a Prefeitura de Foz do Iguaçu em prefeitura especial. Para tanto, toda a arrecadação federal, estadual e municipal seriam imediatamente aplicadas na infra-estrutura turística do próprio município. Pretendia-se também a criação de cassinos, parques de diversões, hotéis e a execução de melhorias na navegação pelo rio Paraná. 

sexta-feira, 26 de abril de 2013


Oeste paranaense:
conjuntura política, fundiária, colonizatória enfim
1ª Parte 

 José Augusto Colodel

           O final da década de 1950 pode ser compreendida como a culminância de um amplo e multivariado processo de natureza política e econômica. Ampla conjuntura que teve como balizamentos determinantes a passagem da Coluna Prestes (1924/25), a Revolução de 1930, a desarticulação do sistema obragero no Oeste paranaense e a nacionalização da fronteira mais ocidental do Estado do Paraná.


Exploração e retirada da madeira oestina em larga escala. Imensas marombas (jangadas) desciam o rio Paraná em direção ao território argentino

           Faz-se pertinente que analisemos com mais vagar cada um desses balizamentos, se é que podemos assim chamar esses momentos decisivos, para que possamos melhor compreender as motivações históricas que determinaram o vir-a-ser do Oeste paranaense. Vamos a eles, começando pelas obrages.
           Deve-se ter o entendimento que devido às suas características econômicas norteadoras, baseadas na exploração intensiva e predatória da erva-mate e da madeira e na utilização de mão de obra quase servil, de origem paraguaia, as obrages não manifestaram, obviamente, nenhum interesse em promover a colonização nas grandes áreas que lhes foram destinadas desde o raiar do século XX, o que contrariava os contratos de concessão que haviam firmado com as autoridades brasileiras. A notória falta de fiscalização fê-las agir livremente, adotando às claras, por exemplo, a prática do contrabando puro e simples. O prejuízo econômico aos cofres públicos foi imenso e maior ainda foi o prejuízo no que diz respeito ao atraso na colonização desta região, praticamente despovoada e relegada ao esquecimento nesse período. Mas as coisas iriam mudar.
           No plano puramente econômico o interesse obragero de longa data pelo Oeste paranaense, iniciado no início do século XX, começou a declinar a partir da década de 1930. Tal desinteresse teve origem dentro da própria Argentina quando, naquele país, no território de Missiones, logo no início do século XX, se iniciou o plantio intensivo e científico da erva-mate, o que diminuiu sua dependência do produto brasileiro. Some-se a esse plantio intensivo a adoção de pesada política tributária, a qual dobrou o imposto de importação sobre o mate brasileiro.
           Essas ações fizeram com que as importações argentinas de erva-mate brasileira e oestina caíssem lentamente com o passar dos anos, até se tornarem praticamente inexpressivas.
           Entretanto, o mesmo não se observou quanto à madeira. Aqui existiam ainda muitas reservas e o nosso vizinho do Prata continuou a extraí-la por mais alguns anos ainda, nos mesmos moldes que extraíam a erva-mate. Assim, conhecendo muito bem as matas oestinas, implantaram um sistema de extrativismo seletivo onde a chamada madeira de lei com grande valor comercial era a riqueza cobiçada. De acordo com Peris (2002, p.76), “quando chegaram os colonos agricultores na Região, por volta de 1950, só encontraram os troncos das árvores de madeira de lei [...] as toras já tinham sido extraídas pelos obrageros”.
           A extração da madeira fez com que o sistema obragero se sustentasse ainda por mais alguns anos. Um substituto paliativo, pois as reservas de madeira ficavam mês a mês cada vez mais distantes do rio Paraná, sendo necessário o investimento de importantes capitais para que a sua retirada fosse comercialmente compensatória. Como os obrageros não tinham mais tanto dinheiro disponível passaram a hipotecar suas propriedades – obrages - e não podendo saldar os compromissos assumidos perderam-nas para os seus credores.

Assim, quando os governos paranaense e brasileiro, no final da década de 1920 começam a falar em nacionalização da região, política implantada após  a Revolução de 1930, encontram o sistema das obrages em franca decadência, o que aliás veio facilitar a aplicação de tal política nacionalista”  (WACHOWICZ, 1982, p.158). 

Tropas revolucionárias em Foz do Iguaçu - 1925.
           A passagem das tropas revolucionárias tenentistas, em 1924/25, serviu como um primeiro alerta à opinião pública e autoridades sobre o que por aqui acontecia. Descobriu-se que uma porção importantíssima do território nacional  encontrava-se entregue à sua própria sorte e aos interesses de uns poucos capitalistas argentinos e também ingleses, como era o caso de Porto Britânia.
           Os revolucionários de Prestes foram obrigados a abandonar a Região Oeste, deixaram o alerta, mas nos anos seguintes o status quo vigente permaneceu praticamente inalterado. Os obrageros ainda detinham em suas mãos o controle absoluto da vida comercial oestina e não tinham a mínima intenção em aceitar mudanças, quaisquer que fossem. Enganaram-se, pois poderosas forças alheias à sua vontade emergiram no plano econômico mundial e na vida política brasileira com a vitória de Getúlio Vargas na chamada Revolução de 1930.
A situação começou a mudar com a Revolução de 1930, a qual reservou um papel de maior destaque aos militares, que passaram a se preocupar mais com a integração desta parte do território ao restante do Território do Brasil; com a crise de 1929, a qual fez com que as empresas estrangeiras controladoras das empresas argentinas que atuavam na Região, fizessem uma repatriação de seus capitais; com a Constituição de 1937, que deu poderes ao Conselho Superior de Segurança Nacional, para colonizar e construir estradas dentro do limite de 150 quilômetros da fronteira brasileira com os demais países da região (Peris, 2002, p.76).

           A Revolução de 1930 revelou-se em fenômeno catalisador para a retomada do interesse dito nacional por esta região.

Getúlio Vargas, logo após assumir o governo, pela Revolução de 1930, com amplo apoio dos militares, muitos deles tendo participado nos combates à Coluna Prestes e outros do movimento tenentista, conhecendo a situação das fronteiras brasileiras no Oeste do Paraná, assinou o Decreto 19.842, de 12 de dezembro de 1930, que adotava medidas drásticas do ponto de vista nacionalista. Este decreto exigia que as empresas tivessem, em seus quadros de empregados, no mínimo, dois terços de trabalhadores brasileiros (Sperança, 1992, p.194), dificultando o ingresso e a permanência de estrangeiros, no caso paraguaios e argentinos, nas terras brasileiras e impondo novas dificuldades às empresas estrangeiras” (GREGORY, 2002, p.91).

           No Paraná, o interventor General Mário Tourinho, soldado de primeira hora, foi colocado à testa do governo estadual por Getúlio e resolveu tomar medidas imediatas no sentido de “nacionalizar” a fronteira oeste. A urgência de seus projetos se fazia sentir, pois sabia que era idéia de Getúlio criar naquela região novas unidades administrativas territoriais, açambarcando parte dos territórios do Paraná e de Santa Catarina. Para tanto apresentava-se com a desculpa de que esses estados, notadamente o Paraná, nada fizeram ou faziam para defender sua soberania, daí o estado de abandono em que se encontrava toda a área fronteiriça. Vem daí a idéia da criação do Território Federal do Iguaçu, formalizado pela Lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943 e extinto em 1946 pelo Congresso Nacional. (Fim da 1ª parte).

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013


História e biografia, biografia e história.

José Augusto Colodel


A narrativa biográfica supõe uma modalidade de escrita da História profundamente   imbricada   nas   subjetividades,  nos   afetos,   nos   modos   dever, perceber e sentir o outro. Talvez este seja o grande desafio do trabalho biográfico: ao falar do seu personagem, o biógrafo, de certa forma, fala de si mesmo, projeta algo de suas emoções, de seus próprios valores e necessidades. (Borges, 2009, p. 232)

           A discussão que se abriu sobre o tema é razoavelmente recente, ampla e vai ampliar-se ainda mais. Não faz muito que a chamada biografia histórica ganhou um maior espaço e conceito entre os cientistas sociais, notadamente os historiadores, embora ainda coexistam inúmeras controvérsias quanto ao alcance de sua legitimidade e aplicação. Mas nem sempre foi assim.
          No mundo antigo a biografia dos grandes personagens confundia-se com a narrativa e a narrativa confundia-se com a história. Quem não se lembra da Ilíada e da Odisseia? De Ulisses, Helena, Páris, etecétera? Heróis num plano maior, protagonistas. Seus feitos chegaram até nós, pois a retórica assumiu para Homero, Tucídetes e Heródoto, dentre outros, papel fundamental à medida que transformou homens em semideuses através do belo e bom discurso escrito. O importante era o efeito literário, a linguagem. E a história? A história, com todas as suas contradições e complexidades, acessória enquanto tal, deveria se encaixar às ações individuais. Submissão do coletivo ao individual. O individual tornando-se imortal.

No século XIX, as biografias tiveram importante papel na construção da ideia de “nação”, imortalizando heróis e monarcas, ajudando a consolidar um patrimônio de símbolos feito de ancestrais fundadores, monumentos, lugares de memória, tradições populares etc. Esta concepção foi retomada pela  corrente positivista. A biografia assimilou-se à exaltação das glórias nacionais, no cenário de uma história que embelezava o acontecimento, o fato. Foi a época de ouro de historiadores renomados como Taine, Fustel de Coulanges e Michelet, autor de excepcionais retratos de Danton a Napoleão.(Del Priori, 2001).

                   O pensamento positivista resgatou a importância das biografias para compreensão da História. Contudo, grande parte dos historiadores contrários a essa doutrina, cujo foco de interesse prioritário estava nos grandes homens, nos grandes acontecimentos históricos e grandes batalhas, predominantes nos textos de história no final século XIX e início do século XX, contribuiu para a sua negação nas décadas que se seguiram.

Com o advento da “Nova História” dos Annales na França e da historiografia marxista passou a reinar quase que inconteste a chamada história das estruturas. A longa duração passou a explicar as ações humanas segundo determinações que escapavam aos indivíduos per si. Impôs-se então que somente a longa duração seria capaz de recuperar os grandes movimentos das sociedades em suas regularidades e permanências, escapando à superficialidade dos fatos. Nessa perspectiva a análise das estruturas econômicas e sociais firmaram-se como o eixo de observação predileto dos historiadores, preocupados em desvendar o mundo histórico em sua processualidade. A História Política, rica em acontecimentos e apresentada por meio de uma narrativa linear, deveria ser sepultada de uma vez por todas.

          O reinado da história estrutural permaneceu inatacado, inconteste até a década de 1960, quando começaram a despontar alguns estudos que procuravam reinserir o indivíduo na trama da história, mas de maneira diferente do que acontecia com a historiografia produzida no século XIX. Uma mudança de foco ou como nos ensina Le Goff (1990), a adoção de uma biografia histórica nova que, sem reduzir as grandes personagens a uma explicação sociológica, esclarece-as pelas estruturas e estuda-as através de suas funções e papéis.

          Entretanto, o historiador que deseja penetrar na seara da biografia e história, história e biografia, deve ter na devida conta que jamais deverá deixar de lado os princípios básicos e norteadores da pesquisa histórica sob pena de produzir uma história ficcional. E isso acontece principalmente quando ele se depara com lacunas documentais ou perguntas que não encontram explicação imediata.

O campo da escrita biográfica é certamente um palco privilegiado de experimentação para o historiador, que pode avaliar o caráter ambivalente da epistemologia do seu ofício, inevitavelmente tenso entre seu pólo científico e seu pólo ficcional. Desta forma, a biografia provoca um polêmico questionamento à absoluta distinção entre um gênero verdadeiramente literário e uma dimensão puramente científica, suscitando a mescla, o hibridismo, e expressa, assim, tanto as tensões como as convivências existentes entre literatura e Ciências Humanas (Avelar, 2010, p.161).