terça-feira, 4 de setembro de 2012


Oeste paranaense: uma história de
 portugueses, espanhóis e indígenas
José Augusto Colodel *
Parte I 

  Faz muito tempo mesmo!Foi lá pelo final do século XV quando os reinos de Espanha e Portugal resolveram dividir entre si os vastos domínios que haviam descoberto na América. Do acordo resultou o  Tratado de Tordesilhas, assinado em 7 de junho de 1494 na cidade espanhola de mesmo nome. Traçando uma linha imaginária de Norte a Sul da América pensavam, ingenuamente, resolver os problemas e desavenças diplomáticas que vinham tendo desde que colocaram os seus pés na América.
      Através desse meridiano coube à Espanha quase toda a região que atualmente é o território paranaense, incluindo naturalmente toda a Região Oeste. Assim, não é de estranhar que desde o início do século XVI os espanhóis resolveram levar a efeito suas primeiras viagens de exploração aos territórios que lhes pertenciam pelo Tratado de Tordesilhas.
      Já durante os primeiros meses de 1516 o aventureiro espanhol João de Solís penetrou no Estuário do Prata. Tendo desembarcado nas costas da atual República do Uruguai sofreu violento ataque indígena da nação Guarani. Não resistiu e ali mesmo morreu juntamente com a maioria dos soldados que compunham essa expedição pioneira. Os sobreviventes retornaram pelos domínios portugueses. O azar os perseguia e no litoral de Santa Catarina uma das caravelas que compunha a esquadra naufragou. Os náufragos tinham o comando de Aleixo Garcia e nos contatos que mantiveram com os indígenas tomaram conhecimento de um suposto império no oeste onde a prata era abundante. Em 1521 voltaram em busca desse império da prata!
      Para tanto, fizeram uso de uma antiga rede de caminhos indígenas [1], sendo o utilizado chamado de Peabiru.
      Percorrendo o Peabiru em penosa viagem Aleixo Garcia chegou aos Andes onde conseguiu amealhar porções de ouro e prata das tribos indígenas ali radicadas. Munidos de imensa fortuna empreendeu viagem de volta. Novamente os indígenas hostis estavam atentos e emboscaram a caravana matando muitos dos seus componentes, inclusive o seu comandante. Os remanescentes, carregando o fruto da pilhagem foram dar no litoral catarinense, de onde as façanhas da expedição de Aleixo Garcia e a notícia da existência de fabulosas riquezas se espalharam como fogo ao vento.   
      Um dos muitos que tiveram conhecimento dessas notícias foi Sebastião Caboto, outro aventureiro espanhol. Nessa época ele estava assentado no litoral de Pernambuco e não perdeu muito tempo em montar uma expedição que viesse até a agora conhecida região da Bacia do Prata. Obstinado, burlando a negativa de seus superiores, Caboto chegou ao litoral catarinense em 1527. Dali, comandando dois navios, rumou célere em direção ao rio da Prata. Na confluência desse rio com o Carcanhará fundou um porto que seria sua base para as futuras penetrações em direção às riquezas indígenas. A povoação ali estabelecida seria batizada com o nome de Sancti Spiritu. Essa importante base de operações seria anos mais tarde destruída pelos índios. De um modo geral as tentativas de Caboto em por as mãos na prata indígena fracassaram quase que inteiramente. Homem de métodos violentos, desde cedo foi hostilizado pelas tribos existentes na região e suas investidas tinham via de regra resultados desalentadores.
      Enquanto esses aventureiros espanhóis faziam as primeiras explorações e penetrações no território platino, os seus rivais portugueses não se mantiveram alheios ao que vinha acontecendo. Afinal, ouro e prata eram as riquezas que moviam o mundo conhecido e sustentavam a posição dos reinos metalistas de Portugal e Espanha.
      Já por volta de 1531 expedições de aventureiros portugueses iniciaram por conta própria sua corrida particular ao Prata, tendo como ponto de partida o rio Amazonas, o rio da Prata e também por longos e quase insuperáveis caminhos terrestres.
      Como não poderia deixar de ser as investidas portuguesas ao ocidente do Paraná começaram a preocupar as autoridades espanholas. É claro que elas não queriam dividir de maneira alguma os despojos em ouro e prata que poderia arrebanhar naqueles territórios que estavam sob sua jurisdição pelo Tratado de Tordesilhas.
      A alternativa encontrada para consolidar em definitivo a bandeira espanhola naqueles domínios foi a fundação de um aglomerado urbano que servisse como pólo comercial e centro irradiador para as expedições que para lá se deslocavam. Deveria servir também como um aquartelamento militar que oferecesse proteção segura aos súditos do Reino de Espanha. Deveria ficar bem claro aos ambiciosos portugueses que toda aquela porção do território americano estava firmemente em mãos espanholas. O tempo iria demonstrar que tal pretensão não resistiria ao ímpeto dos aventureiros portugueses.
      De Madri veio a ordem para que fosse organizada uma grande expedição ao Prata. A armada era comandada pelo mercenário Pedro de Mendonza. Sua especialidade eram o saque e a destruição. Fizera fama e fortuna na Europa, chegando a ganhar o título de Dom como recompensa pelos saques que cometera em terras italianas, notadamente em Roma.
      Pedro de Mendonza partiu da Espanha em 1535 e em 3 de fevereiro do ano seguinte concretizou a fundação de um porto o qual deliberou denominar de Nuestra Señora del Buen Aires, constituindo dessa maneira a base do primeiro Adelantado espanhol do Rio da Prata. Subindo esse rio fincou as bases de duas novas povoações: Corpus Christi e Nuestra Señora de Buena Esperanza. Iniciou-se assim a presença definitiva da gente espanhola em terras da Bacia do Prata.  Após ter fundado Buenos Aires, Pedro Mendonza achou por bem retornar à Espanha. Morreu na viagem de volta ficando como seu substituto João de Ayolas.
      A conquista das terras do Prata não aconteceu de maneira pacífica, embora os primeiros contatos entre as tropas de João Ayolas e os índios tivessem sido relativamente pacíficos. Os espanhóis logo abandonaram a política da boa vizinhança e passaram a investir brutalmente sobre as tribos indígenas, utilizando-se para tanto de métodos sanguinários. Aldeias eram completamente destruídas pela passagem dos espanhóis. Os homens eram assassinados e as mulheres violentadas. Nem mesmo as crianças eram poupadas. Os naturais da terra se revoltaram e passaram a combater desesperadamente os invasores de além mar. Não demorou muito para que todas as povoações fundadas pelos espanhóis sofressem o assédio belicoso dos indígenas. Muitos dos seus habitantes foram mortos e o restante teve que se abrigar em Buenos Aires. O próprio Ayolas foi vitimado pela violência que trouxe para a região. Foi emboscado e morto em terras paraguaias.
      Não querendo compartilhar da sorte de Ayolas, Domingos Martinez de Irala, seu companheiro e braço direito, fugiu desenfreadamente e fixou acampamento em Candelária, onde mais tarde foi encontrado por outras expedições. Essas expedições permaneceram em Candelária por algum tempo e depois rumaram para o Sul onde fundaram um novo acampamento, estrategicamente localizado num terreno que oferecia excelentes condições de defesa aos possíveis ataques indígenas. Esse acampamento recebeu mais e mais aventureiros, cresceu e deu origem à cidade de Assunção.
      Sob o comando de Irala, Assunção logo passou a exercer grande influência sobre o destino dos espanhóis que se concentravam no Prata.
      As qualidades administrativas de Irala logo se fizeram sentir. Enérgico, organizado e inflexível em suas decisões, deu início a todo um trabalho de melhorias nos núcleos urbanos que sobreviveram aos ataques indígenas: Buenos Aires, Corpus Cristi e Boa Esperança. Usando de métodos violentos logrou impor rígida disciplina. Consolidou na ponta da lança tanto a lei como a ordem espanholas. Com os poucos soldados que tinha sob o seu comando jamais teria conseguido atingir aos seus intentos. Para tanto, contou com a ajuda inestimável dos guerreiros da nação Guarani que a ele aliaram-se por estarem envolvidos em mais de uma das suas incontáveis guerras com as tribos vizinhas.
      Tendo conseguido firmar sua liderança frente ao restante dos aventureiros espanhóis voltou seus olhos ao que realmente lhe interessava, ou seja, a espoliação das riquezas indígenas e o eventual objetivo de povoamento de toda aquela região. O Adelantado do Rio da Prata tinha um novo comandante-supremo.
      Como nem tudo é o que se pretende, o destino reservou mudanças profundas na vida de Irala e elas tiveram origem na Corte espanhola. Acontece que o imperador Carlos V achou por bem designar um novo Adelantado para capitanear o governo de Assunção. A escolha do imperador recaiu sobre os ombros de um cavalheiro conhecido como Alvar Nuñez Cabeza de Vaca.
      Desejoso por conhecer seus futuros domínios e súditos, Cabeza de Vaca empreendeu viagem ao Rio da Prata. Corria o ano de 1541.

Iniciou a marcha a 18 de Outubro de 1541 [...] depois de dezenove dias de marcha por florestas e montanhas, chegaram às aldeias dos índios Guaranis [...] No dia 1º de Dezembro a expedição varou o Iguassú ou Água Grande e, dois dias depois, o Tibagi [...] levava, portanto, a caravana na direção Noroeste [...] resolveu, então, marchar para o Sul, chegando a 14 de Janeiro de 1542 às margens do Iguassú [...] poucos dias depois chegavam à Foz do iguassú, atravessando o rio Paraná, auxiliado pelos Guaranis [...] no dia 11 de Março de 1542 entrou em Assunção após uma peregrinação de seis meses (FIGUEIREDO, 1937, p.68-70).  

      O temperamento de Cabeza de Vaca era completamente diferente do de Irala. Chegando a Assunção resguardou-se em indolência e cercou-se de um “luxo que é incompatível com a vida de Assunção e se descuidando no trato com os indígenas” (CHMYZ, 1976, p. 68).
      Foi somente no ano seguinte que decidiu fazer uma incursão à Serra do Prata. Quem deveria comandar essa expedição era Irala mas Cabeza de Vaca não o deseja. Confronto de interesses e ciúmes reinaram em Assunção a partir desse episódio. Ao retornar, em 1544, Cabeza de Vaca é obrigado a enfrentar um articulado motim popular que o destitui das suas funções administrativas e políticas como Adelantado. Escorraçado de Assunção foi obrigado a juntar suas malas e voltar para a Espanha. Certo foi que a partida de Cabeza de Vaca não bastou para acalmar os ânimos em Assunção. Partidários de Irala e Cabeza de Vaca passaram a admoestar-se na defesa dos interesses de seus chefes. O conflito derrubou por terra as conquistas administrativas e políticas de Irala. Quem se saiu bem nessa história foram os indígenas que na luta por sobreviver procuravam se unir a um grupo ou outro, na esperança de tirar um pouco de benefício da situação.
      Enquanto estava no poder Irala levou adiante seu projeto de subir o rio Paraná até o Tietê. O povoamento gradual da margem esquerda do Paraná era benéfico aos interesses espanhóis na medida em que ampliava os seus domínios.
       Não se esquecia em nenhum momento que os portugueses procuravam chegar ao Prata partindo do litoral atlântico por caminhos terrestres. Já os espanhóis procuravam o caminho inverso já que a porção oriental da América encontrava-se sob jurisdição portuguesa.
      Tendo atingido a porção setentrional do rio Paraná Irala determinou ao seu comandado Garcia Rodrigues de Vergara que por ali fundasse um núcleo urbano. Serviria ele de ponta-de-lança para as futuras penetrações pelos sertões circunvizinhos. O núcleo de Ontiveros nasceu na margem do rio Paraná com essa função no ano de 1554. Entretanto, ele teve vida curta e logo foi abandonado.
      Foi em 1556 que o próprio Irala incumbiu ao capitão Ruy Diaz Melgarejo da fundação de outro vilarejo espanhol naquela região. Essa comunidade recebeu o nome de Ciudad Real, sendo que os seus primeiros habitantes foram uma centena de espanhóis deslocados de Assunção (SILVEIRA NETTO, 1914, p. 93).
      Diferentemente do que ocorreu com Ontiveros, Ciudad Real logrou progredir. Ali foi incentivado o plantio de gêneros alimentícios diversificados, a criação de alguns animais e a exploração da erva-mate nativa, que chegou a ser comercializada anos mais tarde com algumas reduções jesuíticas do Rio Grande do Sul. Parece que a procura de metais preciosos não foi coroada de sucesso.
      Mas quem podia esquecer-se do ouro e da prata! Foi sempre procurando esses metais e estando sempre atentos aos rumores que denunciavam a sua presença que os espanhóis seguiam em frente. A Leste de Ciudad Real fundaram outro núcleo populacional o qual chamaram de Vila Rica do Espírito Santo. O ano de sua fundação ainda é incerto, mas deve ter sido entre 1570 e 1576.
      Na segunda parte desta viagem ao passado uma outra história não menos interessante e não menos importante para os destinos desta Região.



* Os textos (postagens) a seguir (partes I, II e III) foram publicados originalmente pelo autor sob o título Cinco séculos de história. In: PERIS, A.F (org.).Mesorregião Oeste do Paraná: diagnósticos e perspectivas.  Cascavel : Editora da Universidade Oeste do Paraná, 2002.

[1] Partindo da Capitania de São Vicente, em São Paulo, essa vasta rede de caminhos que possuía uma direção geral Leste-Oeste, atravessava todo o território paranaense indo dar no rio Paraná na altura da foz do rio Piquiri. Saindo do atual território brasileiro, ele cortava o Chaco paraguaio até chegar aos planaltos peruanos e dali ao Oceano Índico.

REFERÊNCIAS

CHMYZ, Igor.  Arqueologia e história da vida espanhola de Ciudad Real do Guairá. Cadernos de Arqueologia.  Curitiba, ano I, n. 1 : UFPr, 1976.

FIGUEIREDO, L. Oeste paranaense.  São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1937.

NETTO, Silveira. Do Guayra aos Saltos do Iguassú. Curitiba: Tip. Do Diário Oficial, 1914. 70 p.



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