Quando o patrimônio histórico é vítima
de pretensa modernidade!...
... ou uma nova história construída com tijolos à vista.
Prédio do Fórum passando por "restauração". |
Na semana passada voltava para casa pela Avenida Paraná e ao
passar defronte ao prédio que abrigou por muitos anos o Fórum da Comarca
de Santa Helena deparei-me com algo que me chamou atenção e, confesso, me
deixou consternado: a cena de operários trabalhando a todo vapor sob o sol quente
de final de tarde. O que vi era um sobe e desce de gente derrubando paredes,
retirando janelas, arrancando portas, quebrando telhados, etc.
Vi também a
ferida maior que se abria com a destruição da grande e soberana parede de pedra
em tom amarelo. Era nela que se lia em imponentes caracteres feitos em aço:
“Fórum da Comarca de Santa Helena”.
Fiquei ali parado por alguns minutos, chocado enquanto cidadão, estupefato e
atônito enquanto historiador! Em minha frente descortinava-se o antigo prédio do
Fórum, uma das primeiras e mais importantes obras públicas da cidade de Santa
Helena, construído inaugurado em 1975 e conferindo um novo status ao jovem
município.
![]() |
Prédio do antigo Fórum, construído em 1975. |
Ali, diante de mim a carcaça em agonia. Outro patrimônio histórico* do
Município de Santa Helena que sofria com a descabida e unilateral intervenção
da prefeitura municipal - responsável direta pela sua custódia e proteção enquanto
bem público.
Infelizmente a
cena, embora desagradável, era repetitiva. História que se reavivava como
tragédia. Antes do Fórum os alvos predados foram antigo prédio que abrigava a
prefeitura e o Cine Remonti, só para ficarmos nos exemplos mais pungentes.
Ressalte-se que a Câmara de Vereadores também sofreu com as mexidas “modernistas”
que recebeu durante a década de 1990.
![]() |
Antigo prédio da Prefeitura Municipal. |
Agora chegou a vez do prédio do Fórum. Qual moribundo respira em agonia a
mais recente vítima da faina desenfreada de um projeto impensado de
substituição do que é caracterizado como velho - e daí entendido como inútil –
por algo que é julgado como moderno, portanto necessário. Lamentável processo
de desconstrução da história à base de marretadas, picaretadas e picaretagens.
Há bem da verdade que se diga que já há alguns anos o vetusto prédio
encontrava-se quase que em completo abandono, após a construção do Fórum que
está hoje sediado na comercial Avenida Brasil. Já o antigo Fórum, “velhinho”,
serviu durante algum tempo para isso, outro tempo para aquilo e no frigir dos
ovos acabou “encostado”, pois a ele não se encontrou utilidade – ou não se
procurou verdadeiramente.
Instalações atuais da Prefeitura Municipal |
Fico pensando cá com meus botões: que bom seria se ele abrigasse em prédio
próprio a nossa biblioteca pública! Depois de restaurado é claro! Mas são
raríssimos aqueles que integram a classe política que valorizam e investem na
cultura, mesmo porque parece não haver interesse em dar um maior acesso
cultural ao cidadão. Cultura gera consciência, discernimento sobre o que é
certo ou errado e aí é que reside o problema.
Nada contra os profissionais que estão executando a obra - pedreiros e carpinteiros. Também que fique absolutamente claro: não discuto a utilidade e funcionalidade
futuras a serem dadas ao prédio do Fórum. Elas podem ser nobres, bem
intencionadas, mas não vêm ao caso neste momento. Discuto e questiono a maneira
como está sendo tratado o nosso já dilapidado patrimônio histórico.
Então, como a lei não permite a demolição pura e simples do patrimônio público,
o negócio é estuprá-lo sem mais ou menos. Essa parece ser a política cultural
vigente em Santa Helena! Sem pedir ou ouvir a opinião de ninguém se decide pôr
abaixo o que a geração presente herdou de legado cultural das gerações
passadas.
E assim, no lugar da história passada erguem-se paredes feitas com tijolos à
vista. Construções sem alma ou afeto, talvez de acordo com o íntimo de seus
autores.
________________________________________
*A definição mais antiga e tradicional de patrimônio histórico referia-se ao
patrimônio material, que engloba construções, obeliscos, esculturas, acervos
documentais e museológicos, além e outros itens das belas-artes. Atualmente
temos o chamado patrimônio imaterial, que abrange regiões, paisagens, comidas e
bebidas típicas, danças, manifestações religiosas e festividades tradicionais.