Rio Paraná: caminho de pessoas,
mercadorias e idéias.
Para o Oeste paranaense o Rio Paraná, antes do aparecimento
do Lago de Itaipu, foi, dentre outros, o meio físico condutor de todo um
processo de natureza histórica que se confunde com a própria história da
ocupação, povoamento e colonização modernos na região.
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O Rio Paraná, seus portos de embarques e seus vapores. |
[O rio Paraná] é um
rio totalmente político. Os seus formadores separam: o primeiro, o Estado de
Minas Gerais do de Goyaz e o segundo, o grande Estado montanhêz do prospero
Estado de São Paulo, formando ambos o rico triangulo mineiro (FIGUEIREDO, 1937. p.121).
[...] a importancia
que o [rio] Paraná exerce na historia da America, se perde nas noites do tempo.
Era por êle que os castelhanos subiam na ancia louca da ambição, em busca de
castelos doirados dos Incas. Ainda por êle desciam os masculos bandeirantes
paulistas, á cata do ouro fascinante de Cuiabá, baixando o Tietê e subindo o
Pardo (Id. p.124)
Tal constatação é fácil de ser aquilatada quando do manuseio das fontes
documentais que dizem respeito à história da Região Oeste.
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Construção de jangada em Porto Mendes. A madeira retirada do Oeste paranaense seguia pelo rio Paraná em direção às províncias de Corrientes e Missiones, em território argentino. |
Os moradores mais
antigos que na região chegaram às primeiras décadas do século XX são unânimes
em longos relatos sobre o rio Paraná, sobre o majestoso “Paranazão”.
Para eles ele era parte integrante do dia a dia. Vale dizer que muitos deles
chegaram ao Oeste paranaense via Paranazão, usando-se de vapores argentinos e
paraguaios.
Durante dezenas de anos foi a artéria de comunicação mais importante existente
na região, numa conjuntura em que as estradas praticamente inexistiam ou não
passavam de simples picadas abertas rudimentarmente e que raramente ofereciam
condições razoáveis de trânsito. Uma pesquisa rápida no material cartográfico da
época mostra imediatamente a precariedade da malha viária da região nas
primeiras décadas do século XX.
O
rio Paraná era um caminho natural de locomoção por onde trafegavam pessoas,
mercadorias e idéias. Nas suas barrancas estruturaram-se dezenas de portos
fluviais em ambas as margens, seja em território brasileiro ou paraguaio.
No
lado brasileiro, no início do século XX existiam os seguintes portos no Alto
Paraná, a partir de Foz do Iguaçu, em direção a Porto Mendes: Foz do Iguaçu,
Bela Vista, Sol de Maio, Santa Helena, Jejuí, Porto Felicidade, Porto Britânia,
Porto Rio Branco, São Francisco, Porto Artaza e Porto Mendes.
Na
maioria desses portos em função das barrancas do rio Paraná serem muito
íngremes, com mais de cinqüenta metros, o embarque e desembarque de passageiros
e mercadorias era feito por meio de zorras movidas a vapor, tração animal ou
mesmo usando braços humanos.
Fronteira
natural entre o Brasil e o Paraguai o rio Paraná não impediu que a Região Oeste
fosse objeto dos interesses comerciais de capitalistas argentinos. Ao
contrário, contribuiu.
Oriundos
preferencialmente das províncias de Corrientes e Missiones os obrageros
argentinos montaram no Brasil verdadeiros impérios destinados à exploração da
erva-mate e da madeira. Para isso, desde o final do século XIX, com a anuência
ou não do governo imperial brasileiro, adquiriram vastíssimas concessões de
terras de onde retiraram imensas quantidades dessas riquezas vegetais.
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Portos de Corrientes e Posadas. |
Retiradas
dos sertões eram transportadas até as margens do rio Paraná e dali, por meio de
vapores, balsas ou jangadas, eram encaminhadas até o território argentino, onde
eram beneficiadas.
Nessas gigantescas concessões de terras transpôs-se para o Oeste paranaense
todo um modus vivendi socioeconômico característico e que ficou conhecido
como obrages, sendo os seus
proprietários chamados de obrageros.
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Mensu paraguaio na recolha da erva-mate. |
Enquanto
os capitalistas argentinos entraram com a “propriedade da terra”, a mão de obra
destinada à sua exploração era proveniente do Paraguai. Eram os chamados mensus - trabalhadores manuais que aqui
aportavam carregando como mudança expectativas de trabalho e dinheiro. Sonho
esse que rapidamente se desfazia na dura realidade do trabalho quase escravo
das obrages.
A compreensão do
universo de vida desses indivíduos somente ganha contornos mais nítidos se, antes
de tudo, entendermos como foram organizados os vastíssimos domínios rurais que
se estabeleceram em quase todo o oeste paranaense e sul do Mato Grosso, e que
eram conhecidas como ‘obrages’ (COLODEL, 1992, p.129).
Durante o longo período em que se explorou a erva-mate e a madeira no
Oeste do Paraná, por intermédio das obrages, quase a totalidade da mão de obra
arregimentada para a execução dessas atividades era composta por trabalhadores
paraguaios. Eram os chamados guaranis modernos: mensus ou peões. A designação era
dada aos indivíduos que se propunham trabalhar braçalmente numa obrage. O termo
equivale-se ao peão, sendo que o seu trabalho era pago mensalmente, ou pelo
menos sua conta era assim movimentada. Se procurarmos a raiz etimológica dessa
expressão, veremos que ela vem do espanhol: mensual, ou seja, mensalista.
Não nos aprofundaremos em todas as
particularidades inerentes no sistema de exploração/coerção representado pelas obrages.
Diremos apenas que elas dificilmente lograriam sobreviver por tão longo período
de tempo - cerca de meio século - ou nem mesmo assumiriam as características
que assumiram caso não houvesse o rio Paraná.
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Obrageros e erva-mate. |
Torna-se fácil explicarmos a presença das obrages, cujas atividades eram
praticamente desconhecidas durante o final do Império e os primeiros anos da
República Velha, sem levarmos em consideração que todo o Oeste paranaense
ficara praticamente abandonado pelas autoridades governamentais brasileiras.
Região de fronteira, despovoada em grande parte, somente mereceria um pouco
atenção quando da fundação da Colônia Militar de Foz do Iguaçu, em 1889. É
dessa época a vinda dos primeiros colonos brasileiros para a região.
Mesmo após a chamada Revolução de 1930 a situação de abandono em que se
encontrava a região permanecia praticamente inalterada para aqueles que
percorriam a região, vindos de outras paragens.
O oéste paranaense
tem dois pontos de atração do seu comercio: Guarapuava, que regula as
transações com o litoral e Foz do Iguassú, que faz o intercambio pelo rio
Paraná.
Por Guarapuava se
exporta o mate, o pinho, o gado, o porco e alguns cereais; por Foz do Iguassú,
somente mate e madeira.
Foz do Iguassú
consome grande quantidade de produtos argentinos e paraguaios, que entram no
Brasil, em sua grande maioria, pela porta larga do contrabando (FIGUEIREDO,
1937. p. 85).
A cidade [Foz do
Iguaçu] possue um porto servido por uma rampa muito bem construída, que nasce
numa extensa praia de arêia amarela. O Porto fica num remanso, onde os redemoinhos,
girando com excessiva velocidade, entravam de certo modo a atracação. Defronte
do nosso porto ha o paraguaio Porto Franco, aberto recentemente por uma
companhia de extração de madeiras.
O gerente da
companhia, senhor MATTEUDA, informou-me ter conseguido exportar 1.000 vigas
mensais.
Parece-me que o
regime de trabalho adotado na tal companhia é o da escravatura (Id. p. 86).
Não se pode negar que a passagem da famosa Coluna
Prestes em terras paranaenses, em 1924/25, serviu como um alerta aos governos
paranaense e brasileiro, a partir do momento em que a imprensa escrita começou
a denunciar o estado de abandono em que se encontrava toda a região.
Entretanto, somente com a Revolução de
1930, é que a Região Oeste começou a ser o alvo da atenção do governo federal. Aconteceu
quando Getúlio Vargas iniciou o seu programa político-ocupacional denominado Marcha para o Oeste, com a consequente
nacionalização da região, através de um povoamento mais organizado e cassação
das concessões de terras antes em mãos argentinas e paraguaias.
Nessas marchas e
contramarchas, permaneceu o rio Paraná como o suporte logístico de maior
importância. Desde o último quartel do século XIX suas margens estavam em
constante agitação com o surgimento de mais de duas dezenas de portos. Os
núcleos de povoamento que foram aparecendo no interior dependiam quase que
exclusivamente do rio Paraná para a sua sobrevivência. Criou-se entre a
população oestina e o rio Paraná um relacionamento cultural extremamente forte
e duradouro.
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Sistema de zorras. Cargas e passageiros desciam e subiam pela barranca íngreme e perigosa. No atracadouro improvisado o vapor aguarda. |
Tal relacionamento
logrou perdurar até o momento em que a rede viária atingiu certa magnitude e
começou a arcar com as tarefas de transporte e comunicação.
Deve-se destacar que
o desenvolvimento e proliferação da malha de estradas carroçáveis não aconteceu
de maneira rápida e uniforme. Mesmo após o início da década de 1940, quando
novos fluxos de colonos redescobriram
o Sudoeste e o Oeste paranaense e se fixaram de maneira mais intensa, o número
de estradas nessas regiões era ridiculamente pequeno e essas se apresentavam em
péssimas condições de uso. Eram flagrantes as dificuldades com que as levas
migratórias se deparavam para chegar à região através das raríssimas vias
terrestres existentes. Depoimentos orais colhidos com personagens que aqui
chegaram nessa época são fartos e unânimes nesse aspecto. A nossa principal via
terrestre de comunicação, a BR-277, somente foi asfaltada em meados da década
de 1960!
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Vapor atracado no rio Paraná, acompanhado de duas balsas. |
A navegação a vapor
no rio Paraná, no trecho compreendido entre Porto Mendes e Foz do Iguaçu,
recebeu um duro golpe quando o governo revolucionário de 1930 resolveu
nacionalizar a região de fronteiras. As grandes extensões de terras, antes sob
o controle de capitalistas argentinos voltaram ao domínio do brasileiro, que
procurou repassá-las a empresários nacionais que tivessem interesse em
colonizar a região, através de empresas legalmente constituídas.
Não tendo mais aqui
suas obrages, os empresários argentino pouco a pouco foram desativando suas
empresas de navegação a vapor, já que não tinham mais o monopólio da extração
da erva-mate e da madeira.
Tão grande era a
influência argentina e paraguaia nesta região que uma das primeiras medidas
tomadas pelo governo revolucionário de Vargas foi a de obrigar o uso da língua
portuguesa nas escolas e repartições públicas em atividade no Oeste paranaense,
já que se falava quase que exclusivamente o castelhano e o guarani! Isso sem falar
que dentro das obrages o pagamento dos mensus, quando era feito, e isso era
raro, era através de um dinheiro próprio, mandado emitir pelos próprios obrageros!
Pode parecer, e isso não é verdade, que com a saída dos obrageros o rio
Paraná perdeu por completo sua importância dentro do contexto socioeconômico
regional. Longe disso.
As populações aqui estabelecidas continuaram mantendo estreitos laços
com aquela artéria navegável até o momento de seu desaparecimento, com a
formação do reservatório da Hidroelétrica de Itaipu Binacional, em 1982.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COLODEL, José Augusto. Matelândia: história & contexto. Cascavel : Assoeste, 1992.
FIGUEIREDO, Lima. Oéste Paranaense. São Paulo, Companhia Editora
Nacional, 1937. p.121.