quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Yes, nós também tivemos o nosso far west!
Marcha para o Oeste: a fronteira guarani na mira de Getúlio Vargas

       Para quem pensa que o faroeste é coisa só de gringo montado a cavalo, revólver na cinta e metido a machão, está muito enganado.
       Quem diria, mas nós também tivemos o nosso faroeste, bem no estilo tupiniquim. Pura verdade. Acontece que o nosso só começou quase um século depois e não teve o privilégio de ser reverenciado em Cinemascop nas telas de cinema, como o foi, exaustivamente, o norte-americano. Não tivemos por aqui nenhum John Wayne, caravanas pela planície, nem o retrato caricato de apaches ou comanches aguerridos e sedentos por escalpos. Os nossos índios, pratas da casa, foram praticamente exterminados uns dois séculos antes pelos espanhóis e portugueses que por aqui perambularam à procura de mão de obra escrava. Mas que nós tivemos o nosso “para o Oeste”, isso tivemos!
       É de conhecimento que o vir-a-ser da história de que todo o Oeste paranaense ficou meio que à mercê dos interesses comerciais dos obrageros argentinos até que o gaúcho Getúlio Vargas liderou sua "revolução", em 1930. Antes disso, alguns anos antes, em 1924-1925, a tão conhecida Coluna Prestes perambulou pelas barrancas do rio Paraná e levou ao conhecimento público nacional o estado de abandono em que se encontrava a região e sua população. Uma região desnacionalizada, entregue de mão beijada aos nossos vizinhos do Prata.

A colonização sulista abre espaços.
Toledo, Vila Cristo Rei em 1946.
Fonte: Museu da Imagem e do Som


       O negócio foi que com a subida de Vargas no poder criou-se um sentimento entre os intelectuais que o acompanhavam de que era urgente que a imensa e estratégica região fronteiriça paranaense, a chamada fronteira guarani, fosse imediatamente ocupada, verdadeiramente, patrioticamente nacionalizada.
       É dessa preocupação que irá sair um dos maiores slogans do governo Vargas: a Marcha para o Oeste, o nosso far west (rumo ao oeste), o nosso faroeste!
       A cabeça pensante da dita revolução afirmava que o litoral já se encontrava demograficamente ocupado, bem ocupado aliás, e que o oeste e seus sertões estavam praticamente desabitados. Era urgente ocupá-los e, para tanto, se fazia necessária um deslocamento populacional em profundidade.
       Pregava-se que para um movimento de tamanha envergadura era mister que se encontrasse uma força coletiva, emocional, pujante, que arrebatasse corações e mentes, e que fosse capaz de movimentar milhares de pessoas rumo ao oeste longínquo.
       A inspiração foi encontrada na própria história brasileira, na epopéia do bandeirantismo, dominante nos primeiros séculos da nacionalidade brasileira. O que se almejava era a criação de um novo sentimento de fronteira. Para tanto, a Marcha para o Oeste seria o meio condutor que levaria à redescoberta dessas novas e distantes zonas de riqueza.
 
O migrante gaúcho foi a ponta de lança da Marcha para o Oeste.
Colonos dgaúchos em Santa Helena na década de 1960.
Fonte: Prefeitura Municipal

     A marcha pressupunha pioneirismo e ambicionava pioneiros. Homens de coragem, capazes de levar adiante a tarefa de sedimentação das nossas fronteiras. Foi o que se buscou e foi o que se fez durante as décadas de 1930 e 1940. Talvez venha daí a força tamanha que o termo pioneiro tem em nosso dia a dia, principalmente entre os mais idosos.
       No Paraná, com a vitória de Vargas, foi nomeado como Interventor o general Mário Tourinho, o qual tinha, dentre outras, a missão levar adiante a concretização da política da Marcha para o Oeste.
       A realidade populacional corroborava as aspirações governamentais, mesmo porque um levantamento inicial feito em 1931 apontou uma população de 10 mil habitantes na região compreendida entre Foz do Iguaçu e Guaíra. E desses somente 500 eram brasileiros! Constatou-se o abandono geral e, como era de se esperar, culpou-se os governos anteriores à revolução por esse estado de coisas. No relatório final – feito por analistas cariocas e gaúchos - chegou-se ao ponto de dizer que os paranaenses não tinham ânimo para lutar pelo que era seu e que não tendo essa gana deveriam deixar que o governo federal tomasse conta de toda essa região. Dá para se perceber que foi a partir daí que surgiu e ganhou corpo com o passar dos anos a esdrúxula idéia da criação de um território federal no Oeste paranaense e catarinense. E tanto o foi que anos depois, em 1943, foi criado o Território Federal do Iguaçu, formado com porções dos estados do Paraná e de Santa Catarina. Durou pouco o tal território, sendo extinto formalmente pela Constituição de 1946, promulgada após a derrubada do Estado Novo comandado por Getúlio Vargas desde 1937.
  
Os novos donos da terra. Migrantes rio grandenses em Nova Santa Rosa na década de 1950.
Fonte: www.novasantarosa.pr.gov.br

       A nossa marcha para o Oeste estava delineada ideologicamente, mas quem é que viria ocupar e povoar a região “abandonada”? A tarefa coube a migrantes do Rio Grande do Sul. Que não se esqueça que Getúlio era gaúcho e, como não poderia ser diferente – ou poderia? – ficou sensível aos interesses demonstrados pelos capitalistas e colonizadores rio grandenses. Nesse sentido, o Oeste catarinense e paranaense foram os espaços geográficos por onde se expandiu nos anos seguintes a fronteira agrícola sulina.
       Deu no que deu e lá pelo final da década de 1960 o nosso faroeste estava concluído. Em sua mala de garupa trouxe além do sotaque, o churrasco, o CTG, a caña e o bom chimarrão.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Esse não é de confiança!

Intrigueiro e traiçoeiro esse tal de João Moya


Olha que já faz tempo, faz quase um século. Sendo mais preciso foi em 1922. Para se ter uma referência cronológica, naquele mesmo ano foi realizada na cidade de São Paulo, mais precisamente no Teatro Municipal, a tão aclamada Semana de Arte Moderna, que afinal de contas acabaria por revolucionar o universo estético, literário e jornalístico nacional.
         Pois é, enquanto a polêmica aquarela Abopuru de Tarsila do Amaral era reverenciado e escarnado naquela tarde em Sampa, aqui na terrinha o sol era daqueles de tira pica pau do toco. Um calor de amargar, ar pesado, sufocado. Fugindo do sol escaldante e abrigadas sob uma improvisada coberta de madeira, cinco jovens mulheres proseiam enquanto sorvem tranqüilamente o seu tererê. São paraguaias que vivem no porto de Santa Helena Velha, que é o ponto terminal da obrage de Domingos Barthe. Dali é embarcada a madeira e a erva-mate que segue, via Paranazão, para a Argentina.
Animada, a prosa não passa despercebida por Juan Moya. Esse criollo, nascido em Posadas, na Argentina, trabalha a dois anos na obrage. Tem cerca de quarenta anos e carrega tatuadas no corpo visíveis marcas de uma desavença por causa de mulher. Briga de faca, daquelas de apavora qualquer um. Levou a pior e um golpe bem aplicado pelo desafeto deixou-lhe manco da perna esquerda e outro lhe gravou uma cicatriz que ia da base da orelha direita ao queixo. Agradecia mesmo assim, foi sorte não ter sido morto. Também foi sorte arrumar trabalho como o velho Barthe.
         Perambulando pelo porto e redondezas, Moya não faz serviço pesado; não trabalha no escritório, na administração e nem é cozinheiro ou pistoleiro. Seu serviço é, digamos assim, bem mais delicado. Servicinho sutil.
         Sonda durante alguns minutos e meio que arrastando a perna vai ao encontro da roda de tererê. As paraguaias logo percebem sua aproximação e logo tratam de mudar de assunto. Da prosa animada passa a prevalecer a partir de então o silêncio. Calejadas, elas descobriram na pele que o sujeitinho não é de confiança.
         Dos mensus e suas companheiras gente como Juan Montoya recebeu a apelido de “sereno”, sendo que a alcunha não tem nenhuma relação com o seu suposto perfil psicológico ou emocional. E nada tem a ver mesmo! O apelido, comum em todas as obrages instaladas no Oeste paranaense se deve ao fato de essa gente tinha como única função a prática escancarada da intriga, da mentira, da fofoca.
         Portanto, no universo exploratório das obrages, Juan Moya, assim como os outros serenos, está em seu papel. Foi contratado exatamente para isso e tem um campo fértil para disseminar o seu vasto e variado repertório de intrigas.
         Enquanto os mensus vão para a sua jornada diária de trabalho, que se inicia de madrugada e vai até a boca da noite, ele fica tipo “bendito o fruto entre as mulheres”. Isso mesmo, de homem no porto de Santa Helena, fora o pessoal da administração e o capataz que está vigilante no meio do mato, só fica ele.
         Entre a mulherada ele semeia a traição, colocando homem contra homem e mulher contra mulher. Com a fala mansa chega para Rosita e, cheio de falsos pudores, diz que se sente na obrigação de contar que seu companheiro está lhe traindo com a Conchita. Chama Antonio em separado e no pé do ouvido lhe confessa como amigo sincero que sua tão querida Maria está lhe corneando com o Chico. E assim vai, pedindo para um ficar de olho no outro, para que aquela tome cuidado com essa. Semeia intriga e colhe desconfiança e desunião. E isso lhe basta.
         Olhando com os olhos do presente fica-se a imaginar que tipo de gente era essa que nem o Juan Moya e por que fazia tal coisa? É elementar intrigado leitor, agindo como agia ele conseguia em última instância que os mensus não se unissem de jeito nenhum. Imagine só se toda aquela peonada sofrida e miserável juntasse forças e investisse contra os obrageros e colocasse por terra a rotina diária de quase servidão a qual estavam impingidos? Num piscar de olhos tomavam conta de tudo, matavam os capatazes, incendiavam, destruíam e caíam no mundo.
         Daí se vê que o sereno era uma figura premeditadamente construída, relevante, quase indispensável, nessa arena de dominantes e dominados. Sua tarefa era a manutenção do status quo vigente. Ao fomentar a discórdia controlada dava vasão às ordens de seus patrões, pois esses não tinham o menor interesse em meter a mão no bolso visando a contratação de mais seguranças.  Tinha lógica, já que qualquer obrage somente era viável se os seus lucros fossem maximizados ao extremo. Sendo assim, o desembolso com mais homens era tido como supérfluo.

         E o Juan Moya, que fim levou afinal de contas? De acordo com o que me contou o pioneiro já falecido Antonio Bortolini, ele encontrou o seu gran finale numa espelunca em Foz do Iguaçu. Não se sabe bem ao certo os motivos que culminaram com a sua morte, mas o fato é que ele teve a garganta cortada de orelha a orelha por uma navalha. O assassino? Dizem que foi uma prostituta paraguaia que atendia pelo nome de Serena! Pelo menos foi o eu me disse o velho Bortolini. Vai saber ...