quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Esse não é de confiança!

Intrigueiro e traiçoeiro esse tal de João Moya


Olha que já faz tempo, faz quase um século. Sendo mais preciso foi em 1922. Para se ter uma referência cronológica, naquele mesmo ano foi realizada na cidade de São Paulo, mais precisamente no Teatro Municipal, a tão aclamada Semana de Arte Moderna, que afinal de contas acabaria por revolucionar o universo estético, literário e jornalístico nacional.
         Pois é, enquanto a polêmica aquarela Abopuru de Tarsila do Amaral era reverenciado e escarnado naquela tarde em Sampa, aqui na terrinha o sol era daqueles de tira pica pau do toco. Um calor de amargar, ar pesado, sufocado. Fugindo do sol escaldante e abrigadas sob uma improvisada coberta de madeira, cinco jovens mulheres proseiam enquanto sorvem tranqüilamente o seu tererê. São paraguaias que vivem no porto de Santa Helena Velha, que é o ponto terminal da obrage de Domingos Barthe. Dali é embarcada a madeira e a erva-mate que segue, via Paranazão, para a Argentina.
Animada, a prosa não passa despercebida por Juan Moya. Esse criollo, nascido em Posadas, na Argentina, trabalha a dois anos na obrage. Tem cerca de quarenta anos e carrega tatuadas no corpo visíveis marcas de uma desavença por causa de mulher. Briga de faca, daquelas de apavora qualquer um. Levou a pior e um golpe bem aplicado pelo desafeto deixou-lhe manco da perna esquerda e outro lhe gravou uma cicatriz que ia da base da orelha direita ao queixo. Agradecia mesmo assim, foi sorte não ter sido morto. Também foi sorte arrumar trabalho como o velho Barthe.
         Perambulando pelo porto e redondezas, Moya não faz serviço pesado; não trabalha no escritório, na administração e nem é cozinheiro ou pistoleiro. Seu serviço é, digamos assim, bem mais delicado. Servicinho sutil.
         Sonda durante alguns minutos e meio que arrastando a perna vai ao encontro da roda de tererê. As paraguaias logo percebem sua aproximação e logo tratam de mudar de assunto. Da prosa animada passa a prevalecer a partir de então o silêncio. Calejadas, elas descobriram na pele que o sujeitinho não é de confiança.
         Dos mensus e suas companheiras gente como Juan Montoya recebeu a apelido de “sereno”, sendo que a alcunha não tem nenhuma relação com o seu suposto perfil psicológico ou emocional. E nada tem a ver mesmo! O apelido, comum em todas as obrages instaladas no Oeste paranaense se deve ao fato de essa gente tinha como única função a prática escancarada da intriga, da mentira, da fofoca.
         Portanto, no universo exploratório das obrages, Juan Moya, assim como os outros serenos, está em seu papel. Foi contratado exatamente para isso e tem um campo fértil para disseminar o seu vasto e variado repertório de intrigas.
         Enquanto os mensus vão para a sua jornada diária de trabalho, que se inicia de madrugada e vai até a boca da noite, ele fica tipo “bendito o fruto entre as mulheres”. Isso mesmo, de homem no porto de Santa Helena, fora o pessoal da administração e o capataz que está vigilante no meio do mato, só fica ele.
         Entre a mulherada ele semeia a traição, colocando homem contra homem e mulher contra mulher. Com a fala mansa chega para Rosita e, cheio de falsos pudores, diz que se sente na obrigação de contar que seu companheiro está lhe traindo com a Conchita. Chama Antonio em separado e no pé do ouvido lhe confessa como amigo sincero que sua tão querida Maria está lhe corneando com o Chico. E assim vai, pedindo para um ficar de olho no outro, para que aquela tome cuidado com essa. Semeia intriga e colhe desconfiança e desunião. E isso lhe basta.
         Olhando com os olhos do presente fica-se a imaginar que tipo de gente era essa que nem o Juan Moya e por que fazia tal coisa? É elementar intrigado leitor, agindo como agia ele conseguia em última instância que os mensus não se unissem de jeito nenhum. Imagine só se toda aquela peonada sofrida e miserável juntasse forças e investisse contra os obrageros e colocasse por terra a rotina diária de quase servidão a qual estavam impingidos? Num piscar de olhos tomavam conta de tudo, matavam os capatazes, incendiavam, destruíam e caíam no mundo.
         Daí se vê que o sereno era uma figura premeditadamente construída, relevante, quase indispensável, nessa arena de dominantes e dominados. Sua tarefa era a manutenção do status quo vigente. Ao fomentar a discórdia controlada dava vasão às ordens de seus patrões, pois esses não tinham o menor interesse em meter a mão no bolso visando a contratação de mais seguranças.  Tinha lógica, já que qualquer obrage somente era viável se os seus lucros fossem maximizados ao extremo. Sendo assim, o desembolso com mais homens era tido como supérfluo.

         E o Juan Moya, que fim levou afinal de contas? De acordo com o que me contou o pioneiro já falecido Antonio Bortolini, ele encontrou o seu gran finale numa espelunca em Foz do Iguaçu. Não se sabe bem ao certo os motivos que culminaram com a sua morte, mas o fato é que ele teve a garganta cortada de orelha a orelha por uma navalha. O assassino? Dizem que foi uma prostituta paraguaia que atendia pelo nome de Serena! Pelo menos foi o eu me disse o velho Bortolini. Vai saber ...

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